Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Lei Maria da Penha: controle de armas de fogo também protege mulheres
Na semana do aniversário de 15 anos da Lei Maria da Penha, é urgente reforçar que uma arma de fogo dentro de casa não traz segurança e nem protege as mulheres. Pelo contrário, ela aumenta muito os riscos. A própria Maria da Penha, farmacêutica cujo caso deu origem à lei, foi vítima de uma dupla tentativa de feminicídio. Na primeira delas, levou um tiro nas costas que a deixou paraplégica. No Brasil, em 2019, 1817 mulheres perderam sua vida por armas de fogo, o que significa que esses foram os instrumentos utilizados para ceifar suas vidas em 54% dos casos. De acordo com os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esse percentual se mantém em 2020.
Mas a participação da arma de fogo no assassinato de mulheres, seja tanto nos casos de feminicídios (26,1%) como nos homicídios de mulheres (64%) em 2020, aumenta a preocupação em relação aos efeitos que a flexibilização desenfreada de armas de fogo e munição terão nesse contexto. Precisamos relembrar os riscos que as armas representam para a segurança das mulheres e seguir advogando para que a luta das que nos antecederam, como Maria da Penha, não tenha sido em vão.
Desde que assumiu a presidência, o presidente Jair Bolsonaro vem sistematicamente desmantelando a legislação de controle de armas. Um dos argumentos usados, inclusive, é que a presença de uma arma em casa contribuiria para impedir a violência contra mulheres. Essa afirmação revela um profundo desconhecimento sobre a dinâmica desse tipo de violência. De forma geral, os padrões dela são diferentes dos padrões das agressões contra homens. Elas são vitimizadas em casa e por conhecidos. Feminicídios costumam ser antecedidos por uma série de outras violências e a maioria delas sequer é notificada. São inúmeras situações invisíveis para as autoridades.
Os dados mostram que armas de fogo estão associadas a aumentos da violência contra mulher, inclusive de vítimas fatais. De 2010 a 2017, a proporção do uso de armas para assassinar mulheres cresceu. Esse percentual passou de 49% para 54% no período, com um aumento de 9% nos casos. Quando analisamos apenas o período entre 2017 e 2019, houve uma redução de 9% no número de mulheres assassinadas por armas de fogo, porém a proporção de assassinadas por essas armas no interior de seus lares aumentou em 13%. São as mulheres jovens negras as que mais sofrem as consequências das armas de fogo. Enquanto o assassinato de mulheres brancas por esses instrumentos diminuiu em 46,2% entre 2000 e 2019, o de muheres negras aumentou em 41,2%.
Analisando os dados em mais detalhes, alguns estados, como Amapá, Santa Catarina, Rondônia e Minas Gerais, acendem um alerta. Eles apresentaram aumentos na proporção de mulheres assassinadas por armas de fogo entre 2017 e 2019. É importante notar que essas unidades da federação também estão entre as que apresentaram o maior aumento no registro de armas de fogo pela Polícia Federal no mesmo período.
Não podemos ignorar o uso de armas de fogo como instrumento de medo no interior dos lares. As mulheres em situação de violência com frequência convivem com seus algozes e com o medo constante. As mulheres sabem disso, tanto é assim, que as pesquisas mostram que elas são as mais refratárias à flexibilização da regulação sobre o tema. Não nos deixemos enganar: a adição de mais e mais armas de fogo a essa equação vai reforçar desigualdades e vulnerabilidades, e dificultar ainda mais a proteção das mulheres em um ambiente onde já estão desprotegidas.
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