Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Palco sagrado de deusas negras, futebol feminino não está imune ao racismo
Nos últimos anos, os casos de racismo explicito vem crescendo de forma assustadora, muitas vezes apoiado no acirramento do cenário político. O futebol feminino, como parte do contexto social, não fica imune a esses fatos.
Após a final da série A2, a jogadora Isinha, do Redbull Bragantino, denunciou por meio de suas redes sociais que estava sendo perseguida por um perfil falso, que a chamava de macaca e utilizava outros termos racistas tanto com ela, quanto com quem tentava denunciar. A equipe paulista ofereceu suporte jurídico e foi feito um boletim de ocorrência.
Antes disso, no início do ano, narrador e comentarista haviam feito comentários preconceituosos sobre o cabelo de atletas do Bahia, na partida contra o Napoli. A equipe foi afastada das transmissões.
Agora, fora do Brasil, uma atleta do Nacional chamou Adriana, do Corinthians, de macaca, durante uma partida da Copa Libertadores. Vic Albuquerque, que ouviu a ofensa, chorou em campo. Jogadoras do Corinthians e de equipes brasileiras rivais se posicionaram de forma solidária e repudiaram o fato.
Um desavisado poderia dizer que sempre foi assim, mas que agora os fatos estão sendo expostos pela crescente visibilidade do futebol feminino e que se tratam de casos isolados. Porém, nenhuma justificativa cabe a essas situações. Ainda que sempre tenha sido assim, não muda o fato de que racismo é crime e que esse tipo de ofensa é inaceitável. E os casos deixam de ser isolados quando acontecem todos os dias, a todo momento e de diversas formas.
Seria muito bom, no mês da Consciência Negra, poder exaltar o futebol das mulheres negras, o quanto elas contribuem para a modalidade. Falar de Sissi, Pretinha, Pellegrino, Formiga e Ludmilla.
Enquanto mulher negra, eu realmente espero que um dia possamos falar da nossa história e não usar o espaço que temos pra denunciar mais e mais casos de racismo. Mas a nossa existência é permeada por luta, uma luta que começa ao nascer, quando precisamos afirmar que somos humanas apesar da nossa cor, como se a cor nos fizesse menos qualquer coisa.
Explicar, todos os dias, que racismo existe não só quando nos chamam de macaca ou questionam nosso cabelo, é cansativo. Ver esses fatos acontecendo em um esporte onde a maioria das praticantes são mulheres negras, onde as principais ídolas são mulheres negras e a maior de todas é uma mulher negra, dói. Não só em mim, não só nas vitimas diretas das ofensas, mas em cada uma que traz na pele a marca da cor.
Infelizmente é preciso falar, gritar, expor, fazer o que for necessário. Não é jogando pra debaixo do tapete que o problema se resolve. Ele existe e principalmente, nós existimos e somos vítimas dele o tempo todo. Seja quando aparece de forma explicita, seja quando cerceia nosso espaço, vigia nossos passos, nos diz onde podemos ir e o que podemos fazer.
Existe quando nos olha como pessoas feitas para servir e obedecer, quando nos diz que nossos corpos, feições e cabelos não são adequados, quando afirma que não somos inteligentes o bastante para qualquer cargo que não envolva esforço físico.
O futebol feminino é abertamente um campo de batalhas. Contra estereótipos, preconceitos, desvalorização, apagamentos históricos, proibições. Não cabe, em campo, mais um adversário. Adversário esse que não cabe em lugar nenhum, diga-se de passagem.
Assim como o racismo é real, a reação a ele também é. O recado fica escuro a cada nova manifestação de solidariedade e de resistência. As jogadoras negras vão ficar em campo e onde mais quiserem. Aos racistas, não posso expor o que desejo, então digo que desejo justiça. Preferencialmente a de Xangô.
*Natalia Andrade é formada em comunicação pela UFMG e atua na cobertura do futebol feminino e em pautas raciais
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