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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cidades serão mais seguras para mulheres quando menos homens forem eleitos

Mulheres participam de manifestação contra a violência de gênero - Leo Correa/AFP
Mulheres participam de manifestação contra a violência de gênero Imagem: Leo Correa/AFP
Tabata Amaral e Gabriela Sabino

Colaboração para o UOL

16/02/2022 04h00

O que nós, mulheres, esperamos das cidades? Cidades essas que são, em sua maioria, projetadas por e para homens brancos e de classe média alta?

A cidade em que vivemos, o bairro em que moramos e os espaços públicos que frequentamos não foram pensados para nós. Aqui, também, interseccionalidade importa e fatores como raça, deficiência física, faixa etária e condição socioeconômica fazem com que algumas mulheres sejam ainda mais excluídas. Como escreveu a geógrafa canadense Leslie Kern, autora do livro "Cidade Feminista" (ed. Oficina Raquel), "nossas cidades são patriarcados escritos na pedra, no tijolo, no vidro e no concreto".

Faço um convite para que você pense no deslocamento diário de uma mãe solo da periferia de São Paulo. Ela acorda às 5h e sua primeira missão é deixar o filho na creche. As calçadas quebradas e cheias de entulho prejudicam seu trajeto — sorte dela não possuir deficiência motora nem precisar fazer uso de carrinho de bebê.

Depois de algumas horas em ônibus e trens lotados, ela chega no bairro nobre da zona sul onde iniciará seu trabalho às 8h. Terminado o expediente, a ida agora é para a universidade, em um bairro do outro lado da cidade. Como já está noite e ela precisa se deslocar a pé até o transporte público, faz uma série de desvios em seu trajeto. Avenidas sem iluminação pública aumentam o risco de assalto e até mesmo de estupro. Ruas vazias, também. O mesmo medo a persegue dentro do ônibus, no qual ela sempre tenta se sentar próxima do cobrador.

A aula termina e, antes de buscar o filho na casa da vizinha, ela passa no mercado. Nesses percursos, sempre que possível, escolhe ruas movimentadas, bem iluminadas e que não tenham caçambas ou outros espaços onde alguém possa se esconder.

Esse trajeto em zigue-zague pela cidade é a regra para muitas mulheres. Enquanto é mais comum que os homens façam itinerários mais diretos (casa - trabalho - casa), a nossa realidade é outra. Como escreveu a arquiteta brasileira Bethânia Boaventura em uma pesquisa do Instituto Polis, "nas cidades brasileiras, herdeiras do colonialismo escravista patriarcal, essa é, sobretudo, a realidade das mulheres negras e periféricas que passam por várias conduções para chegar ao trabalho."

O acesso a ruas bem iluminadas e ao transporte público influenciam diretamente o direito à cidade das mulheres. Isso porque esses fatores estão estritamente relacionados à segurança pública: uma pesquisa realizada pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão mostrou que cerca de 81% das mulheres já sofreram algum tipo de violência durante seus deslocamentos pela cidade.

Pensar o planejamento urbano do ponto de vista da população feminina é essencial se quisermos viver em lugares que combatam, e não mais reproduzam, a desigualdade de gênero. Trazer uma visão feminista para o urbanismo, com recorte de raça, deficiência física, faixa etária e classe social, é, sem dúvida, uma questão urgente.

No entanto, como a cidade será um espaço seguro e de oportunidades para as mulheres se a política é majoritariamente ocupada por pessoas que não sabem o que é andar na rua com medo de sofrer alguma violência sexual? Se quem está fazendo o planejamento urbano não entende o que significa não ter uma linha de ônibus que leve à creche do filho?

Respondendo à pergunta inicial, nós podemos, e devemos, esperar que nossas cidades sejam desenhadas levando em consideração as nossas necessidades. É por isso que é tão importante que as mulheres possam ocupar todos os lugares, principalmente os espaços de poder. A luta por mais mulheres na política é também uma luta por uma cidade que não seja mais um patriarcado escrito na pedra.

Tabata Amaral, deputada federal (PSB-SP), cientista política e astrofísica. Fundou o Vamos Juntas e é cofundadora dos movimentos Mapa Educação e Acredito

Gabriela Sabino, jornalista, atua como administradora pública e é uma entusiasta em urbanismo para mulheres. Em 2021, coordena o processo participativo da revisão do Plano Diretor da Cidade de São Paulo