Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Brasileira presa na Tailândia: perdão real pode salvá-la de pena de morte
Na última segunda-feira (21), a estudante brasileira Mary Hellen Coelho da Silva, 22, foi presa em flagrante no aeroporto de Bangkok, na Tailândia, transportando cocaína em sua bagagem.
Obviamente que as condições em que foi praticado o crime, ou seja, se ela agiu com a necessária intenção, que será medida a partir do seu conhecimento ou não do que transportava na bagagem, são circunstâncias a serem apuradas pelas autoridades locais em procedimento apropriado.
Partindo, no entanto, do pressuposto de que a estudante agiu como "mula", como afirma seu advogado, ou seja, como o indivíduo que conscientemente transporta droga para outros países e, portanto, praticou o delito de tráfico internacional de entorpecentes, como fica a sua situação jurídica no Brasil e no país em que foi ela presa?
A Constituição brasileira preconiza que nenhum brasileiro nato poderá ser extraditado do país quando cometer crime no exterior e já tenha retornado. Fosse esse o caso da estudante, se não tivesse ela sido presa em flagrante na Tailândia, ela responderia pelo delito de tráfico internacional de entorpecentes no próprio Brasil, sob a égide da legislação brasileira.
Contudo, não sendo esse o caso e tratando-se de tráfico de entorpecentes, acontece o que o Código Penal brasileiro intitula como extraterritorialidade. Nessa situação, "ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir". O país é signatário de diversos tratados internacionais sobre o combate ao tráfico de drogas, como de Viena, promulgado aqui em 1991.
Cabem, assim, aos advogados brasileiros da jovem atuarem em conjunto com os advogados tailandeses na tentativa de que a Tailândia concorde pela extradição da garota ao país de origem, para que ela responde pelo crime aqui. Isso será mais vantajoso, uma vez que o tráfico internacional de drogas é punido pela legislação brasileira com penalidade de cinco a 15 anos de reclusão, enquanto na Tailândia se prevê desde pena de prisão de 20 anos a prisão perpétua ou pena de morte e multa de 2 milhões a 5 milhões de bahts (cerca de R$ 300 mil a R$ 750 mil).
Há alguns indícios de que Mary Hellen consiga escapar da pena de morte. Conforme divulgado pelo jornal "Bangkok Post" em abril de 2021, a Tailândia vem, cada vez menos, aplicando a pena capital em seu território. Especificamente, no que diz respeito ao tráfico internacional de drogas, é mais comum condenar os indivíduos envolvidos a décadas de encarceramento, muitas vezes até a prisão perpétua. De acordo com a iLaw (Internet for People's Law Project), uma organização não-governamental tailandesa que trabalha com a sociedade civil e o público em geral focada em alcançar princípios mais democráticos no sistema jurídico, 72% da população carcerária do país está cumprindo pena por delitos de drogas.
Mas, como a Tailândia é uma monarquia constitucional, uma outra alternativa, que até pode ser considerada mais palpável para o caso, é o perdão real, uma libertação antecipada ou pequenas reduções das penas para os prisioneiros que demonstrarem bom comportamento e estiverem progredindo nos programas oferecidos pelo sistema carcerário do país.
De acordo com o site do Departamento de Correções da Tailândia, o perdão real ("royal pardon") é concedido como um procedimento de rotina e é anunciado duas vezes por ano. A primeira ocorre na comemoração do aniversário do rei, cargo atualmente ocupado por Maha Vajiralongkorn, em 28 de julho; e a segunda no Dia dos Pais, em 5 de dezembro.
Em julho de 2021, o "Bangkok Post" informou que mais de 200 mil indivíduos encarcerados na Tailândia receberam o perdão real no aniversário do rei, e mais de 130 mil carcerários também receberam o perdão real no início de dezembro passado.
Para garantir o perdão real, os prisioneiros que tenham cumprido pelo menos um mês de suas sentenças são obrigados a participar de um plano de treinamento chamado "Khok Nong Na", um programa agrícola que os nsina a trabalhar e cuidar da terra, promulgado pelo falecido Rei Bhumibol Adulyadej.
Como, por muitas vezes, os prisioneiros recebem somente algumas reduções de suas penas, é comum participarem desse programa por mais de uma vez. Todavia, tal programa, por manter seus participantes extremamente ocupados durante o dia, ajuda com que esses mantenham um bom comportamento, sendo, atualmente, a principal esperança de liberdade em casos de tráfico internacional no país.
Há, portanto, duas alternativas a Mary Hellen: batalhar pela aplicação do perdão real no país e por sua extradição ao Brasil, onde ela se´ra necessariamente julgada pelos fatos. Em ambos os casos, ela escaparia, assim, da tão temida pena de morte.
Isabella Leal Pardini é advogada criminal e especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pelo IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal
Clarissa Hofling é advogada criminal e especialista em Direito Penal Econômico pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Paulista de Direito
Giovanna Ferrari é advogada especialista Direito Penal e Processo Penal pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em Direito Penal Econômico pela USP (Universidade de São Paulo)
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