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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pais podem não dar certo como casal, mas responsabilidade deve prevalecer

Cynthia Benini e a filha, Valentina Benini, que também é filha de André Gonçalves - Reprodução/Instagram
Cynthia Benini e a filha, Valentina Benini, que também é filha de André Gonçalves Imagem: Reprodução/Instagram
Cynthia Benini

Colaboração para Universa

22/07/2022 04h00

Desde que minha entrevista foi publicada em Universa tenho recebido muitas mensagens. Não falarei das ofensivas e nem irei rebatê-las e, sim, das que buscam apoio e discernimento para questões que abordam relações familiares.

Busquei uma forma de iniciar essa nossa conversa e por ser um assunto muito abrangente, decidi começar pela palavra responsabilidade. Os pais podem não dar certo como um casal, mas a disponibilidade e atenção devem prevalecer.

Entre as mensagens que recebi, me chamou a atenção uma moça que conta que apesar da situação insustentável por não pagamento de pensão, ainda ouve as pessoas dizerem a ela que a filha irá culpá-la por essa situação.

Na minha opinião, ela está ensinando a filha a ter conhecimento do certo e errado, responsabilidade sobre a própria vida, escolhas e atitudes. Ela precisa crescer e saber que deverá ser responsável por suas escolhas de relacionamentos e eventual formação de um núcleo familiar, nos moldes em que desejar, basicamente, pelo exemplo que sua formação lhe proporcionar.

Enfim, a responsabilidade não é só uma palavra bonita, que carrega em seu significado mais amplo direitos e deveres, ou um ensinamento de um boleto vencido, mas uma escolha: nortear uma vida.

Recordo que, quando era pequena, sonhava (e meus sonhos eram muitos) em crescer e ter minha própria independência financeira, mas como não tinha noção do quando dinheiro precisava, nem da inflação e nem de como as coisas funcionavam, guardava os trocados que meu pai dava para comprar refrigerante, além de juntar revistas e jornais velhos para vender na reciclagem (o antigo ferro velho).

Achava que tudo o que recebia se transformaria em milhões com o tempo. Até o dia em que esqueci de pagar o colégio - naquela época os boletos eram pagos na tesouraria - isso aconteceu 2 dias depois do vencimento.

Fiquei preocupada e fui dizer ao meu pai o que tinha acontecido. Ele, sem alterar a voz e saber minha explicação, me olhou e disse: "Se vira. Eu te dei no dia certo para fazer o pagamento. Se você esqueceu, o problema não é meu."

Fiquei arrasada. Argumentar ainda não era uma habilidade adquirida. No dia seguinte, fui à tesouraria, falei que tinha esquecido o boleto com o cheque no meio da agenda e que agora tinha que pagar, mas não tinha ideia de como ou o quanto seria. Hoje, eu não me lembro do valor exato, mas lá se foram minhas economias para me tornar uma "milionária"...

Apesar de, na época, achar meu pai o pior de todos e não acreditar que ele me amava de verdade, ele me ensinou uma grande lição: a de ter responsabilidade.

Gosto muito dessa lembrança da minha vida porque me faz perceber algumas coisas importantes, entre elas: a presença paterna e racional na minha formação; e, de que nem sempre nossos planos correspondem aos nossos desejos (isso já é uma outra história).

Quando trago esse sentimento, mais precisamente falando sobre a relação pai e filha, penso que talvez isto não aconteceria se fosse com a minha mãe. Mas quem teve a presença de duas pessoas ancorando uma família e equilibrando as emoções dentro de casa - um batendo e o outro assoprando, um apontando e o outro defendendo, um dando um puxão de orelha e o outro se sentando para conversar - e necessariamente nem sempre era a mãe que passava a "mão na cabeça", vai entender a importância e o fortalecimento diante das dificuldades que abordo aqui.

Por muitas vezes, quando tive que ser rígida e amorosa ao mesmo tempo com minha filha, senti que a responsabilidade de arcar com tudo sozinha, não estava dando certo. Papéis não são substituíveis na vida de uma criança, embora existam fora da normatividade tradicional, sem que isso se constitua em um desvio, mas como força motriz.

Família é a soma de defeitos e qualidades, com ensinamentos, exemplos e amor. É bem aquilo, "eu posso falar, mas você não do meu parente."

Apesar da decepção na época, de ter que usar meu dinheirinho para pagar a multa do colégio e não para meu futuro promissor, senti o gostinho de resolver algo que era meu, do meu jeito. Talvez seja por isso que lembre dessa história com tanto orgulho, não de mim, mas do meu pai.