Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Candidatas encerram eleição traumatizadas, mas mais cientes sobre direitos
Concorrer a um cargo público não é tarefa fácil para ninguém. Para as mulheres e pessoas negras no Brasil, porém, pode ser uma verdadeira provação. Os obstáculos e a violência que membros desses grupos enfrentam quando se dispõem a entrar na política são tantos que não chega a ser surpreendente quando mulheres com o capital político de Manuela D`Ávila, por exemplo, optem por desistir de concorrer ao pleito.
Além da violência moral, psicológica, e mesmo física, o financiamento eleitoral está entre os principais fatores que tornam a vida dessas pessoas ainda mais difícil quando decidem se candidatar.
Se, para um homem, passar por um processo eleitoral traz uma experiência que pode torná-lo mais apto a se eleger no futuro, para uma mulher e membros de outros grupos sociais tradicionalmente excluídos da política essa experiência pode ser traumática, como se viu no pleito de 2022, e de enfraquecimento pelas múltiplas violências a que são submetidos, incluindo as de cunho financeiro.
Nos últimos anos vimos avançar legislações relacionadas ao financiamento de campanhas que, se bem implementadas, poderiam promover mudanças na composição dos nossos parlamentos.
Três delas merecem destaque: a proibição de doação das empresas para candidatos e partidos, em 2015; a instituição de um fundo eleitoral público em 2018 e, finalmente, o estabelecimento de uma política de ação afirmativa sobre recursos públicos para mulheres e pessoas negras, em que os partidos devem repassar ao menos 30% desse montante para membros desses grupos.
As duas primeiras regras, em si, tinham potencial para ampliar a representação de mulheres e pessoas negras, já que as empresas preferiam doar para homens brancos. Porém, sem a última, dificilmente as duas primeiras teriam algum impacto.
Um fundo público de campanha tem potencial para promover politicamente membros de grupos subalternizados apenas se for implementado corretamente pelos partidos, o que não tem sido o caso.
Além de não observarem a regra de proporcionalidade entre o repasse do recurso público e o de candidaturas de mulheres e pessoas negras, prevista em lei, eles tendem a transferir tarde os fundos para essas candidaturas, quando já não há mais tempo hábil para o planejamento e construção de uma boa campanha.
Por isso, em dezembro de 2021 o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) criou outra regra: o recurso que por lei caberia às mulheres e pessoas deveria ser transferido pelos partidos até o dia 13 de setembro. Não foi o que aconteceu.
Na primeira prestação de contas dos candidatos, ficou evidente que um número grande de partidos descumpriu essa regra. Há problemas na própria construção da lei, que acaba permitindo com que esses recursos sejam transferidos também para candidaturas majoritárias, o que têm incentivado partidos a selecionarem mulheres para concorrerem na posição de vice. Em casos em que uma mulher concorre como vice para um cargo majoritário, fica difícil saber se houve cumprimento ou não da regra.
Apesar dos avanços legais, as brechas contidas na lei sobre fundos públicos têm feito com que as cotas sejam menos efetivas do que poderiam ser e contribuído para a manutenção de um quadro de sub-representação de mulheres e pessoas negras na política, uma vez que não basta ter mais candidaturas, mas é necessário que elas sejam competitivas.
As experiências de violências e desigualdades vivenciadas por mulheres e outros grupos, como negros e indígenas, têm gerado não só desigualdade, mas também desânimo.
Mulheres com as quais A Tenda das Candidatas teve contato relataram essa experiência como de verdadeira humilhação. O relato de uma delas é ilustrativo: "O pior mesmo foi quando eu abri as contas eleitorais e não tinha nenhum valor lá. É muita humilhação para nós, mulheres, quando saímos como candidatas e nos deparamos com a inviabilidade de nossas campanhas".
Porém, elas não são apenas vítimas. Cada vez mais se rebelam e buscam criar saídas.
Foi o que se evidenciou nessas eleições, quando vimos candidatas durante o pleito denunciando seus partidos por não fazerem a transferência de fundos conforme previsto em lei.
Esses movimentos indicam uma percepção de direitos políticos que vem se alastrando dentre membros desses grupos e na opinião pública. O crescente número de pesquisas, materiais de mídia, e cursos de capacitação realizados por organizações da sociedade civil e acadêmicas, bem como incidências políticas de movimentos e parlamentares, têm contribuído para trazer maior visibilidade às questões discutidas aqui e auxiliar esse processo de mobilização pela garantia de direitos políticos.
Tem auxiliado também na formação de uma opinião pública, pouco familiar com as questões de gênero e racial da disputa política. Se antes ganhar ou perder as eleições era visto apenas como uma questão relacionada à força política da concorrente, agora os limites estruturais têm ficado mais evidentes.
Esperamos que essa consciência e os direitos eleitorais conquistados tenham mais efeito sobre o processo político do que os limites enfrentados. E que saiamos dessas eleições com uma composição mais plural de nossas bancadas legislativas.
*Teresa Sacchet é doutora em ciência política pela Universidade de Essex, do Reino Unido, é professora e pesquisadora da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e pesquisadora sênior do Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados
Hannah Maruci é doutoranda em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo) e co-diretora d'A Tenda das Candidatas, que incentiva e dá suporte a mulheres na política
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