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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Capacitação dá apoio emocional a candidatas mulheres que não foram eleitas

Tecnologia social d"A Tenda das Candidatas capacita lideranças de forma online - Pixabay
Tecnologia social d'A Tenda das Candidatas capacita lideranças de forma online Imagem: Pixabay

Laura Astrolabio e Hannah Maruci, d'A Tenda das Candidatas

Colaboração para Universa

05/12/2022 04h00

O período eleitoral é uma maratona para todos os candidatos. É aquele curto período de tempo em que se usa toda a sua energia —e, muitas vezes, dinheiro— para se realizar um sonho, missão, vontade. Seja qual for o motivo, é um momento intenso, exaustivo e que pode ser também extremamente emocionante. No entanto, para as mulheres —sobretudo as mulheres negras, LBTQIA+, indígenas, quilombolas, PCDs, mães—, essa experiência pode ser traumatizante.

Isso porque o sistema político eleitoral é construído historicamente de forma a priorizar certos grupos e negligenciar outros. Aqueles que representam hoje a maioria dos eleitos —homens, brancos, rico— recebem mais dinheiro, apoio político e validação dos partidos, além de serem privilegiados pela própria estrutura e não serem nem vítimas de racismo e nem de machismo ou misoginia, enquanto os demais —que correspondem à maioria da população, mas são lançados à margem— ficam com as promessas não cumpridas, o subfinanciamento, o abandono, o racismo, o machismo, a misoginia e a LBTQIA+fobia.

Quando falamos de mulheres na política, especialmente aquelas que pertencem aos grupos historicamente marginalizados, estamos lidando inevitavelmente com a violência política de gênero e raça. Esse tipo de violência tem como intuito desencorajar as mulheres de seguirem na vida política, impondo a ideia de que esse lugar não é o delas. Essa violência toma forma de inúmeras maneiras, que vão desde ataques verbais e nas redes sociais até casos de violência física, ameaças e perseguições.

Lembramos, também, que a ausência do repasse, ou o repasse atrasado, de dinheiro do fundo eleitoral pelos partidos configura uma forma de violência política, uma vez que impede que essas mulheres desenvolvam suas campanhas da maneira planejada, além de fazer com que elas percam tempo do já tão breve período eleitoral tendo de pressionar e negociar com os partidos para que recebam o mínimo necessário para a realização de uma campanha digna.

O resultado disso é que muitas dessas mulheres saem do período eleitoral com o sentimento de humilhação, culpa e vergonha*, além da exaustão emocional e psicológica, haja vista que essas mulheres percorrem o processo eleitoral sendo vítimas de racismo, machismo, misoginia, não apenas nas ruas e nas redes sociais, mas também nos partidos políticos que são, em regra, dirigidos por homens brancos cis hétero.

Pensando nessa situação, A Tenda das Candidatas reconheceu o período pós-eleições como crucial para a retenção de lideranças no processo eleitoral. Partindo da hipótese —corroborada pela literatura da Ciência Política— de que uma candidata que já passou por um ciclo eleitoral, ainda que não eleita, é um quadro mais forte para as eventuais próximas eleições, a organização criou uma formação para mulheres não eleitas, que iniciou imediatamente após as eleições.

A experiência de ter passado por campanha uma vez (ou mais) confere conhecimento prático a uma candidata e ela tenderá —caso não desista— a realizar uma próxima campanha mais efetiva, mais estruturada, considerando o acúmulo de experiência a respeito de como funciona o processo.

Portanto, os objetivos desta capacitação são: (1) acolher e apoiar emocionalmente as mulheres que passaram por uma situação limite; (2) garantir que elas permaneçam no jogo eleitoral, aprendam com os erros e acertos de sua campanha, e comecem a traçar estratégias para as próximas eleições. Trata-se de ressignificar a não eleição; ao invés de fracasso, ela deve ser entendida como uma etapa de um processo que é longo e difícil.

Para isso, é preciso também olhar para o que existe "por trás" dos votos que não levaram à eleição: a concentração de votos no próprio município, que pode indicar uma boa oportunidade para a disputa da vereança; a conquista da suplência, que pode se transformar futuramente em uma cadeira; o crescimento dos votos em relação a outras eleições disputadas, que mostram que o caminho traçado está correto.

O resultado de uma eleição depende de muitos fatores, principalmente de fatores que são estruturais e estruturantes como o racismo, o classismo e o sexismo que beneficiam homens brancos cis hétero e ricos e prejudicam mulheres, sobretudo as mulheres negras.

É preciso lembrar que nosso sistema político representativo é ocupado pelos mesmos grupos há séculos. Por isso, a tarefa de aumentar a representação dos grupos historicamente sub-representados, como é o caso das mulheres negras, é um movimento contrário ao status quo.

Isso significa que todas as regras do jogo —tanto as explícitas quanto as implícitas— favorecem a situação atual das coisas e que lutar contra elas e conseguir se eleger é um trabalho intenso, que entendemos que só poderá ser efetuado de forma coletiva, a partir da cooperação entre as mulheres.

Além disso, precisamos pressionar os partidos para que essas mulheres ocupem cargos de direção e possam participar dos processos de decisão dentro da estrutura partidária. O caminho é árduo e só poderemos trilhá-lo se essas mulheres, que colocam seus corpos à disposição da política, estiverem bem amparadas e apoiadas.

É na esteira desse pensamento que A Tenda das Candidatas surgiu em 2020 e continua atuando para fortalecer mulheres, sobretudo negras, LBTQIA+, quilombolas, indígenas e PCDs que estão dispostas a se lançarem no campo político eleitoral, porque, tal como Angela Davis, não aceitamos mais as coisas que não podemos mudar, estamos mudando as coisas que não podemos aceitar.

*Essas foram algumas das palavras que surgiram na formação pós-eleições elaborada pela Tenda das Candidatas