Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Só penso na eliminação da Key. Será que não sou feminista?
Entre o BBB e os filmes do Oscar, as playlists dos meus filhos e o calor do Rio de Janeiro, entro em março como quem volta pra casa. Há anos é assim. Não adianta. Eu tento e vou seguir tentando. Mas não pertenço a fevereiro, tampouco a janeiro e muito menos a dezembro. Meu corpo vai feliz até a semana da República, ali pelo meio de novembro, e só se reorganiza com as águas do Antônio Carlos. Brasileiro. Que ainda por cima é Jobim.
Ai, como é bom. Às vezes, no meio de um problema qualquer, seja uma geladeira quebrada, uma mamografia vencida, ou o paredão da Key, eu lembro: pelo menos não é Natal, ufa. Eu sei, o certo seria gostar. Mas para cada "certo" que não se acerta, para cada chuva que vem sem Deus, para cada terça sem amor, há a gente que nasceu no mês três.
Meu pai, meu filho, meu irmão. Leila Diniz, Elis Regina, Spike Lee. García Márquez, Renato Russo, Hebe Camargo. E Mônica, que acaba de fazer sessenta anos. Isso mesmo, a Mônica do Maurício de Sousa. A mina de vermelho —minha primeira influenciadora— que usava camiseta como vestido, e chorava e batia na mesma historinha, foi meu primeiro farol. O ingresso que eu precisava para poder ser forte e frágil, e não desviar dos meninos na rua. Mas assim como a dramaturgia da turma do Limoeiro me deu coragem para ter coragem, também naturalizou o que eu via em casa.
Assim como nas tirinhas, meu pai trabalhava fora e minha mãe me levava ao médico, e casa e comida eram questões cem por cento femininas. Pois é. Antes era assim. Carro sem cinto, telefone fixo (tenho saudades), artigos mais do que definidos. Não tinha essa de todes, e muito menos de Universa.
Ontem fui ver "Triângulo da Tristeza", filme de Ruben Ostlund, do também genial "Força Maior", e, mais uma vez, me lembrei do que, ultimamente, não esqueço nem na hora de passar café. Tudo o que minha mãe deixou de fazer porque meu pai a impediu. Em tudo o que a sua mãe, ou a sua avó, deixaram de dividir com o mundo porque mulher não podia ter opinião e nem caixa de som. Em tudo o que ainda tenho das mulheres que vieram antes de mim.
No filme, há um momento em que classes sociais e gêneros perdem a importância. Em que o status quo é completamente apagado pelas circunstâncias, e uma mulher que sempre foi invisível ganha o papel principal. Esse papel, que a gente recebe com a certidão de nascimento, deveria ser nosso, e de todas as pessoas à nossa volta, independentemente do artigo, da cor, da sexualidade, ou da conta bancária. Independentemente do mês. Ou do calendário. Ou do que "ficou combinado, porque sim". Bem vindes ao meu Carnaval fora de época, universers. Cheguei para sambar em março e só penso na eliminação da Key. Ai, agora fiquei tensa. Será que não sou feminista?
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