Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Marcius Melhem: às vezes, é melhor pedir desculpas e recomeçar
Conheci Marcius Melhem na faculdade. Quando entrei para fazer jornalismo, em 1993, ele era uma das figuras mais onipresentes do curso de comunicação, organizando abaixo-assinados e eventos nos pilotis da PUC-RJ.
Lembro, como se fosse hoje, das suas entradas em sala de aula e da cumplicidade com os professores. Eles o admiravam. Eu também. O cara era forte, seguro, inteligente. Aos 17 anos, eu, medrosa e cheia de dúvidas, torcia para um dia alcançar aquele lugar, de alguém confortável com seu carisma.
Viramos atores. Nos encontrávamos em festas e estreias e tínhamos vários amigos em comum, mas nunca trabalhamos juntos. Uma vez, apresentei na Globo o projeto de uma série de comédia (núcleo, na época, comandado por ele) que girava em torno de um casal que não conseguia se separar e nem ficar junto — um clássico.
A dupla, meio cômica e meio trágica, tentava, ingênua e corajosamente, achar um jeito para o que não tem jeito: um amor com garantias e liberdade. Marcius não achou a premissa suficientemente engraçada. E talvez não fosse mesmo. A vida, de um modo geral, é mais para triste — a não ser que você não olhe em volta.
Mas isso não mudou em nada minha admiração por ele. Achava —e ainda acho— o "Tá no Ar" um dos programas mais brilhantes que a TV já produziu. Melhem e Marcelo Adnet fizeram uma verdadeira revolução no modo de fazer rir da Globo, entrando para um lugar mítico que tinha como base os gênios Chico Anysio e Jô Soares.
Mas nada disso importa agora. Nem meus tempos de universitária, nem a equação dos casamentos, nem as injustiças do mundo. Algumas coisas são mesmo insolúveis e para isso existe a democracia: ninguém escapa das lutas. Mas outras coisas vêm mudando rápido nos últimos anos. É melhor acompanhar.
Quando penso nos assédios que já sofri sem me dar conta e nos abusos que cometi sob a desculpa da ignorância, sinto vontade de abrir todas essas caixas e zerar um jogo que é impossível de ser zerado, porque antes não tinha cartão. Mas agora tem, vermelho, inclusive, e é hora de usá-los.
Semana passada foi ao ar no site "Metrópoles" uma entrevista sobre a já famosa acusação de assédio feita por Dani Calabresa contra Marcius Melhem. O caso, que veio a público em 2020, agora conta com os testemunhos de dez colegas que até então não haviam se pronunciado. Que bom que isso aconteceu. E que bom que havia homens no grupo.
Poucos dias atrás, escrevi aqui que sou contra cancelamentos. Acho, por exemplo, que José Mayer foi um marco importantíssimo na transformação dos ambientes de trabalho, mas sua pena não pode ser eterna. De um modo geral, acredito que linchamentos servem para que todos se sintam isentos de uma conta coletiva. Não tenho dúvidas de que, para cada história de abuso que aparece, existem cem que nunca virão à tona.
Marcius Melhem errou duas vezes. Segundo relatos, errou quando, inebriado pelo poder, assediou subordinadas sexualmente, moralmente e até em questões de crédito. E errou de novo quando expôs conversas íntimas de WhatsApp, na tentativa de se defender do que é indefensável. Às vezes, é melhor pedir desculpas, se entender com a justiça e recomeçar.
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