Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Caso Mari Ferrer: CNJ vai investigar juiz e processo pode ser anulado
"Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?"
Pra quem não se lembra, esse foi um dos apelos que Mariana Ferrer fez ao juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na audiência que tratou da acusação de estupro de vulnerável contra André Camargo Aranha. A sessão foi em julho de 2020.
O advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, chegou a dizer que "jamais teria uma filha" do "nível" de Mariana, conforme revelou a repórter Schirlei Alves no Intercept Brasil. Aranha foi absolvido pelo TJ-SC, em segunda instância, em 2021. A defesa de Mariana recorreu, e agora o caso está no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Além disso, a conduta de Marcos foi denunciada. E o primeiro resultado veio na terça-feira (23): o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu abrir um processo administrativo e investigar uma possível omissão do juiz durante a audiência, feita por videoconferência. A punição, se houver, pode ir de advertência à aposentadoria compulsória.
A votação do conselho foi apertada. A ministra Rosa Weber ficou com a decisão final.
"Chegamos a sete a sete, é um caso difícil", afirmou Weber, que é presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), antes de justificar sua decisão:
"O que se exige do juiz numa audiência? A condução do processo. Ele é quem dirige a audiência, detém o poder de polícia. Pode ele permitir que uma parte, que um integrante seja achincalhado por qualquer um dos participantes do ato processual? Eu entendo que não. Se não pode, ao não ter uma intervenção mais efetiva, ele se omitiu. Isso é suficiente para condená-lo? Talvez não. Mas para apurar o procedimento dele, sim".
Para Rosa Weber, Mariana Ferrer foi "maltratada, humilhada, achincalhada", e a responsabilidade na condução do processo é do juiz.
Outro ministro foi ainda mais longe, avaliando que uma eventual omissão do magistrado poderia motivar uma revisão de todo o processo.
"Não sabemos ainda se o Superior Tribunal de Justiça pode anular esse processo, porque a condução e o vetor da instrução dizem muito do resultado", afirmou o conselheiro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho.
"A meu ver, era uma audiência totalmente nula, por todas as circunstâncias declaradas aqui como falha institucional", disse.
Ainda que os processos no CNJ e no STJ sejam diferentes e autónomos um do outro, a sugestão do ministro somada a uma possível punição a Marcos dariam força para a argumentação da defesa de Mariana, que pede anulação do processo.
Vieira de Mello chamou a sessão de "verdadeiro massacre" contra Mari Ferrer. Disse ainda que, se é esse o exemplo que "vamos deixar para que as próximas vítimas venham ao Judiciário, diria que se eu fosse uma delas, jamais entraria numa sala de audiência".
Nas palavras do ministro, a vítima se viu praticamente sozinha, num ambiente em que o sistema de Justiça falha por completo, deixando que o advogado de defesa tome conta, "como se fosse ele o condutor dos trabalhos".
Seja qual for o resultado do processo disciplinar, a decisão do CNJ deixa claro que esse tipo de conduta, de humilhação e revitimização da mulher em pleno tribunal, não é mais aceitável.
O que Vieira de Mello classificou como uma "verdadeira sessão de assédio moral à vítima" não pode ser simplesmente esquecido e deixado de lado, confirmando a sensação que muitas mulheres que apelam ao sistema Judiciário têm ao final de seus processos, a de que ninguém realmente se importa com o sofrimento delas.
É dever do Estado garantir a dignidade dessas mulheres e preservar os seus direitos humanos. Elas não deveriam se debater sozinhas.
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