Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Defender a Amazônia passa por enfrentar a violência contra mulheres
O nexo entre justiça climática e violência contra mulheres não é (ainda!) um assunto central nas pautas ambientais ou nas atuações em prol da garantia de direitos fundamentais das mulheres no Brasil. Há, contudo, conexões profundas entre meio ambiente, recursos naturais, eventos climáticos, proteção à Amazônia e equidade de gênero que serão debatidos na mesa "Gênero, Clima e Segurança", mediada pelo Instituto Avon na 17ª edição do Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em Belém (PA).
As crises climáticas, oriundas da destruição de ecossistemas e recursos naturais, são multiplicadoras de riscos e ameaças não somente ambientais, mas a todo tecido social, econômico, cultural e político, afetando desproporcionalmente a população feminina, em especial aquelas em situações de vulnerabilidade e marginalização, como mulheres indígenas, pobres ou de comunidades tradicionais. Isso se dá por uma série de motivos relacionados às desigualdades sociais entre homens e mulheres.
A Organização das Nações Unidas (ONU) tem chamado a atenção, paulatinamente, para esse nexo entre justiça climática e igualdade de gênero. Em 2022, a relatora especial da ONU, Reem Alsalem, divulgou um relatório sobre violência contra mulheres e meninas, suas causas e consequências, e suas correlações com degradação ambiental e desastres climáticos.
Via de regra mulheres e meninas tendem a depender mais de recursos naturais e de serviços públicos sociais e de infraestrutura, ao mesmo tempo em que são menos representadas em espaços de poder e tomadas de decisões. Essa combinação cria o cenário para que elas sofram, proporcionalmente, de maneira mais acentuada os impactos de crises e catástrofes climáticas no acesso a alimentos, na disponibilidade de água potável e no acesso à saúde. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2022 mencionou que as populações femininas têm 14 vezes mais chances de morrer em uma catástrofe climática do que a masculina.
Por serem socialmente responsáveis por uma série de cuidados com crianças, idosos, animais e ambientes domésticos, em momentos de crise e catástrofes climáticas mulheres e meninas costumam ficar ainda mais sobrecarregadas. Situações de estresse econômico relacionado à emergência climática tendem a expulsar comunidades de seus espaços e, na maioria das vezes, são as meninas e mulheres que, devido a deslocamentos e movimentos migratórios forçados, sofrem brutalmente com os impactos adversos do esgarçamento das relações e redes de apoio.
Nunca é demais também mencionar que, em situações de crise e catástrofes ambientais, aumentam significativamente riscos e susceptibilidade a violências baseadas no gênero, em especial abuso e exploração sexual, tráfico de pessoas, casamento infantil, bem como diferentes formas de violências domésticas e familiares.
O relatório da ONU traz números que retratam a conexão violenta entre gênero e clima: em 2005, após o furacão Katrina, a taxa de estupros do estado do Mississipi aumentou mais de 50 vezes. Em Porto Rico, na esteira do furacão Maria, os serviços de apoio a mulheres tiveram um aumento de 62% em pedidos de ajuda relacionados a violências baseadas no gênero.
Infelizmente, temos, no Brasil, uma série de exemplos que ilustram este nexo. No início de 2023, quando se tornou midiaticamente público o cenário genocida dos povos yanomamis em Roraima decorrente das ações de garimpo e da negligência (e anuência!) do Estado brasileiro, diversas notícias trouxeram atenção para a população feminina que havia passado por situações de violência sexual. Ao menos 30 meninas yanomamis, de acordo com dados de fevereiro de 2023, estavam grávidas de garimpeiros, segundo denúncias do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
No último levantamento sobre feminicídios no país feito pelo Fórum Brasileiro De Segurança Pública e divulgado pelo G1, em 2022, a taxa nacional de mortes de mulheres em decorrência de situações ligadas a violência doméstica e/ou sexual foi de 1,3 mortes a cada 100 mil brasileiras, o maior número em nossa série histórica. A alta vem na contramão do número de assassinatos sem o recorte de gênero, uma vez que país teve 1% menos mortes em 2022 do que em 2021.
Se somados somente os estados da Amazônia legal (a saber, Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão, Amapá, Pará e Tocantins), a taxa de feminicídios sobe para quase 1,9 mortes a cada 100 mil mulheres, correspondendo a um número cerca de 40% maior de feminicídios do que a média nacional. Rondônia teve um aumento de 75% na taxa de feminicídios e o Amapá de 100%. A violência contra as brasileiras é desproporcionalmente amazônica.
Com frequência, somos lembrados/as de que, no Brasil, o feminicídio costuma ter cor e classe, sendo desproporcionalmente assassinadas mulheres negras e de baixa renda. Os dados dos estados da Amazônia legal nos lembram, também, que os feminicídios brasileiros estão desproporcionalmente distribuídos pelo território nacional.
Por todos esses motivos, falar de Amazônia também é falar de violência de gênero e garantia de direitos para as mulheres. Se não forem tomadas ações proativas e abrangentes que levem em consideração as desigualdades existentes, em particular as de gênero, as crises climáticas e ambientais servirão para intensificar ainda mais as vulnerabilidades de mulheres e meninas.
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