Opinião

Mulheres negras em conselhos revolucionam o topo da tomada de decisão

Precisamos continuar falando sobre a ausência de mulheres negras no topo de tomada de decisão das grandes empresas e instituições. Em uma sociedade onde, ainda, vigoram o machismo e o racismo estrutural, nada mais evidente do que a seguinte constatação: o duplo marcador de gênero (mulher) e raça (negra) impacta nas oportunidades de ascensão de carreira das mulheres negras.

Mesmo sendo, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 29% da sociedade brasileira, as mulheres negras ocupam apenas 3% dos cargos de liderança de grandes empresas (nível gerente e acima). Esse dado faz parte do Estudo Diversidade, Representatividade e Percepção - Censo Multissetorial da Gestão Kairós 2022, realizado com mais de 26 mil respondentes em empresas de todo o Brasil.

Em conselhos de organizações, mulheres negras seguem invisíveis. Pelo menos é o que diz a pesquisa Diversidade nos Conselhos das Empresas Brasileiras, do IBDEE (Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial), que, estatisticamente, devido ao percentual muito baixo, não identificou a presença de mulheres negras nos conselhos de administração. Mulheres negras como eu, que chegaram ao topo das cadeiras de tomada de decisão nos conselhos empresariais, governamentais e do terceiro setor, seguem sendo únicas. Não têm outras mulheres negras como pares e sofrem o peso de levar consigo a representação de toda uma parcela importante, porém, invisibilizada da população.

Este momento, porém, talvez seja o grande ponto de virada na presença de mulheres negras no topo da tomada de decisão. Recentemente, começamos a ter referências da transformação em movimento. Tenho a honra e alegria de ser conselheira deliberativa do Instituto Tomie Ohtake, conselheira consultiva de diversidade da Ambev e do Pacto de Promoção da Equidade Racial, entre outros. Temos também Viviane Elias, conselheira consultiva da QIPS Consultoria em Saúde; Jandaraci Araújo, conselheira fiscal do Instituto Inhotim, do Future Carbon Group e do WCD Brasil (Women Corporate Directors) e Rachel Maia, conselheira administrativa na Vale, na CVC Corp e presidente do conselho do Pacto Global, entre outros. Isso só para mencionar algumas de nós, mulheres negras, que estão liderando essa transformação.

Além disso, o movimento Conselheira 101, cofundado por Lisiane Lemos, com o objetivo de incentivar a presença de mulheres negras nos conselhos de administração, tem feito um trabalho fundamental para mudar esse cenário desigual, atuando fortemente para ampliar a representatividade nestas posições.

Cada mulher negra em conselho revoluciona o topo da tomada de decisão. Além de serem profissionais, intelectuais e especialistas gabaritadas para ali estarem, levam consigo percepção e vivência social que por muitos anos não existiam nas reuniões e conversas dos conselhos, uma vez que a perspectiva de diversidade e inclusão, ESG, igualdade e equidade são inerentes às suas vivências em sociedade.

Também porque, devido ao fato de, por vezes, ainda serem as únicas mulheres, ou únicas pessoas negras nesta composição, em um grupo formado por homens brancos, levando por si só, de forma gradativa e orgânica, uma reflexão sobre a importância de termos mais proporcionalidade e representatividade da demografia brasileira nas lideranças das organizações, a ponto de ampliar o rol de profissionais negros, LGBTQIAPN+, com deficiência, acima de 50 anos, entre outros.

Além disso, porque levam consigo sempre responsabilidade e compromisso com a ancestralidade, a coletividade e o futuro, o que hoje tem se mostrado cada vez mais necessário para os negócios, as empresas e a perenidade do planeta.

Neste Novembro Negro, ressalto a importância em descolonizar o pensamento empresarial por meio da representatividade de quem está com a caneta na mão. Precisamos desvincular a negra afro-brasileira do histórico escravocrata que, após a abolição, colocou as mulheres negras em empregos de pouca ou nenhuma ascensão social e sem desenvolvimento intelectual.

Estamos vivendo um momento crucial. Se você faz parte de um grupo, que, ao longo de nossa trajetória como país tem sido privilegiado, só lhe resta decidir se será um agente dificultador ou facilitador dessa evolução social.

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