Ser mãe é uma matemática com contas que não fecham
Você, mãe, sentiu culpa quantas vezes na última semana por não ter conseguido dar atenção, brincar ou parar para ter uma conversa com as crias?
Teve aquele sentimento de incapacidade por não ter finalizado as entregas no trabalho, porque tinha dado a hora de buscar na escola, o que foi emendado com banho, janta, hora de dormir, e o dia foi embora? Se martiriza por não ser aquela mãezona que imaginava ser?
Então, mãe, preciso dizer uma coisa: essa expectativa não vai se concretizar. Sabe por quê? Porque as contas da maternidade não fecham. Pense comigo:
- O tempo de amamentação exclusiva recomendado é de 6 meses, enquanto o tempo da Licença Maternidade é de 4 meses;
- A Licença Paternidade é de 5 dias, excluindo a possibilidade de um protagonismo da outra figura parental no início da vida da criança. Aliás, é importante frisar que a necessidade fisiológica de descanso na recuperação pós-parto é de, pelo menos, 40 dias;
- O tempo de férias escolares chega a um total de 3 meses no ano, enquanto férias do trabalho é 1 mês ao ano;
- O horário de entrada em algumas creches é 7:30h, com saída até 16:30, impossibilitando muitas mães que trabalham em horário comercial de levar e buscar seus filhos;
- Já o horário ideal para crianças dormirem seria às 20h, mas os expedientes corporativos acabam 18h ou 19h;
- Empresas só aceitam atestado médico de acompanhante de crianças até 12 anos, sendo que antes de 18 anos elas precisam de um responsável para serem atendidas;
- Empresas geralmente não emendam feriados, mas escolas, sim;
- Vacinação é obrigatória, porém horário de funcionamento dos postos de vacina é somente em horário comercial e em dias úteis.
Você provavelmente já viveu algumas dessas situações. E se perguntarmos para um grupo de dez mães, arrisco a unanimidade. Não é à toa que a maioria se diz exausta. Uma pesquisa realizada pela P&G, na Espanha, aponta que 63% das mães afirmam ter uma lista mental infinita de tarefas, em comparação com 25% dos pais.
Outro estudo, "Você não é menos mãe", elaborado na Espanha pelo Club de Malasmadres, aponta que sete em cada dez mulheres sentiram-se muitas ou várias vezes culpadas por não serem a "mãe perfeita" e 57% expressaram o seu desconforto durante a parentalidade por serem exigentes consigo mesmas.
Apesar de tudo isso, coloco minha mão no fogo ao dizer que todas essas mulheres não dariam conta da metade das demandas se não fossem as habilidades extras que veem adquirindo no exercício de sua maternidade. Priorização de tarefas, gestão de crise, empatia e criatividade são algumas das principais desenvolvidas na relação parental.
Mas temos caminhos?
Digo isso com base em experiência própria. Quando meu segundo filho chegou, pedi para sair do meu trabalho, onde ocupava um cargo de liderança, um privilégio, reconheço. Percebi que não era falta de capacidade minha, mas um sentimento de dívida constante e uma autocobrança pessoal.
Ao mesmo tempo, a maternidade funcionou como uma alavanca de desenvolvimento pessoal e profissional para mim, o que estava sendo desperdiçado, pois a parentalidade sempre foi encarada como um risco para a produtividade na visão corporativa (o que estamos tentando mudar).
Junto com outra mãe, Camila Antunes, que também sentiu na pele como o mercado pode ser cruel com as mães, criamos a Filhos no Currículo, uma consultoria que reprograma as organizações para que nenhuma pessoa tenha que escolher entre carreira e parentalidade. O que mais nos motivou foi desconstruir dentro desse mercado o viés de que filho atrapalha. Pelo contrário, filho potencializa a carreira.
Não há um dia na Filhos em que não pensamos novas formas de alertar lideranças de que filhos e carreira podem coexistir de maneira sustentável. E, para as mães, de que é possível conciliar filhos e carreira.
Se eu equilibro esses pratinhos? Não, deixo alguns caírem pelo caminho. Isso vai continuar acontecendo e não me faz menos mãezona.
A conta não fecha, e isso precisa ser revisto no mercado de trabalho para que nossos filhos e filhas não passem pelos mesmos dilemas. Enquanto isso, fechamos do nosso jeito, com culpa e inúmeras emoções, mas também juntas e com um baita orgulho das entregas possíveis do dia a dia.
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Quero receber*Michelle Levy Terni é CEO da consultoria Filhos no Currículo e conselheira do Instituto Serendipidade. Ela é Top Voice Linkedin 2022 para temas de equidade de gênero e tem como missão reprogramar o mercado de trabalho para que nenhuma pessoa tenha que escolher entre filhos ou carreira, ajudando as organizações a construírem um ambiente de bem-estar parental com seu trabalho.
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