Opinião

O puerpério não é exclusivo da gravidez e também acontece na adoção

A chegada de um filho na família faz tudo mudar. Papéis, rotinas, lugares, objetos, caminhos, convivência social, emoções. E essa chegada envolve um processo de adaptação emocional com possíveis crises e alterações fisiológicas, sociais e emocionais na vida dos novos pais/cuidadores, que percorrerão uma longa jornada para aprender a cuida da criança.

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Viver o fenômeno do puerpério na chegada da minha filha pela via da adoção, em 2018, me fez perceber que as questões emocionais que estava vivendo no pós-adoção tinham conexão com o que está descrito na literatura sobre a vivência das famílias biológicas e das mães no pós-parto.

Você já deve ter ouvido falar do puerpério. Nessa fase após o parto, a mulher pode ter alterações emocionais de choro, humor, sono, apetite, com oscilações bruscas e emoções a flor da pele. O que as pesquisas mostram é que esse fenômeno emocional não tem relação exclusivamente com a gravidez e o parto, pois pessoas que não gestaram também vivem o puerpério emocional, seja companheiros(as) e famílias adotivas.

Isso já foi mensurado pelo nível de ocitocina no sangue e relatos clínicos de mães, pais em famílias adotivas e biológicas. E o efeito do puerpério atinge a todos que precisam se adotar na chegada de um novo ser. E isso leva tempo.

Na perspectiva psicológica, o tempo do puerpério pode ser de 24 a 35 meses, superior e muito à perspectiva obstétrica, de até seis semanas após o parto.

Pesquisa da base para o debate

Estudos recentes tem sido realizados para descrever a experiência emocional da adaptação dos novos pais no período de pós-adoção. Como o estudo que realizei em 2023, com avaliação da saúde emocional de brasileiras mães por adoção. Participaram do estudo 11 mães de crianças de 0 a 11 anos incompletos, de diferentes regiões do Brasil, que estavam no primeiro ano da adoção.

Durante a entrevista, as mães contaram suas vivências desde a chegada do filho e responderam uma avaliação de saúde emocional: a Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21-G). As histórias maternas foram organizadas por análise temática nas categorias: sentimentos, identidade materna e rede apoio, indicando semelhanças e diferenças em relação às descrições da literatura sobre o puerpério.

Os relatos sobre seus sentimentos foram ambivalentes, um misto de alegria pela chegada do filho e incertezas, dúvidas, receios e inseguranças frente ao desafio da maternidade. As redes de apoio social e profissional foram indicadas como importantes fatores de proteção da saúde emocional materna com auxílio na vinculação e interação mãe e filho durante o período de adaptação à nova realidade da parentalidade adotiva.

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As mudanças relatadas pelas mães adotivas indicaram que os eventos percebidos durante o puerpério podem estar mais relacionados às mudanças da chegada do filho, do que apenas mudanças pós-gestacionais. Desse modo, compreende-se que também os pais e outros familiares podem ser impactados e precisam de apoio nessa importante fase de constituição parental.

Entender a dinâmica que envolve o conceito de puerpério na adoção auxilia a dimensionar serviços especializados, fornecendo apoio, informação e atendimento adequados, viabilizando o efetivo direito da criança/adolescente crescer e conviver em família.

Há diferenças no puerpério emocional na adoção?

Os desafios no período do puerpério emocional na adoção envolvem alguns fatores que são intrínsecos da parentalidade adotiva.

Um deles é a espera, que pode ser chamada de gestação emocional, e não tem tempo previsto. Pode ser de muito curta a muito longa, de dias a anos. E a chegada se dá sem aviso prévio. O contato da equipe técnica da Vara da Infância e Juventude por telefone convida a família em espera a conhecer o perfil da criança e sua história, inaugurando uma nova fase: a aproximação gradual, com encontros que podem durar meses, podem envolver viagens e separações.

Com a chegada da criança na nova casa, uma nova rotina da família será vivenciada, de acordo com as necessidades da criança e sua adaptação.

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Depois de todo o processo de adoção, na fase do puerpério, além do diálogo ser essencial, é preciso validação do processo emocional dos novos pais, que estão aprendendo esse complexo papel ao mesmo tempo em educam, acolhem.

Lembrando que são avaliados socialmente pela comunidade, que dá conselhos e ainda não sabe abraçar e validar a parentalidade adotiva. E, juridicamente, pela equipe técnica no acompanhamento do estágio de convivência. Ao mesmo tempo, os vínculos estão sendo tecidos entre pais e filhos, que adotam e são adotados, mutuamente.

A construção de afeto se dá na rotina diária, nos cuidados e atenção as necessidades físicas, emocionais, nas brincadeiras e interações. Assim, é preciso ampliar a oferta de rede de apoio, aumentar o acolhimento e compreensão sobre o processo emocional dos pais adotivos, que por se sentirem julgados e avaliados, podem ter mais dificuldade em pedir ajuda nas ondas do puerpério.

O suporte emocional e social na família extensa, de outras famílias como em grupos de apoio a adoção e profissionais de ajuda, como doulas de adoção e psicólogos, podem ajudar nesse processo do puerpério.

Quando toda a comunidade tem o conhecimento do puerpério na adoção e de que o processo de adaptação é longo, vem em ondas e impacta a saúde emocional, fica mais fácil reconhecer quando pedir e oferecer ajuda, quando acolher as famílias adotivas em suas especificidades.

Familiares, escolas, grupos sociais: abracem as famílias adotivas, pais e filhos, para que se sintam pertencentes e acolhidos para viver seu puerpério e toda a sua complexidade de vinculação na parentalidade adotiva.

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No Instituto Doulas de Adoção Brasil, nos dedicamos a isso: humanizar o atendimento as famílias adotivas para que possam vivenciar seu puerpério de uma forma acolhedora e potente. Em uma rede de cuidado, que formamos com os Grupos de Apoio a Adoção e profissionais de ajuda, oferecemos escuta ativa, espaços de troca e curadoria de informações. Acreditamos que, com informações sobre os processo sociais, emocionais e da adoção, as famílias podem fazer escolhas conscientes e saudáveis.

Quando uma nova família se sente cuidada, ela cuida melhor de si e dos seus filhos.

*Mayra Aiello é mãe de dois bebês breves e da Maria, que chegou pela via da adoção em 2018. E há 6 anos idealizou, junto com a sócia Mari Muradas, o Instituto Doulas de Adoção Brasil - comunidade online com mais de 90 doulas de adoção formadas no Brasil e fora. Dentro do Doulas de Adoção, Mayra promove a formação das doulas e o acompanhamento as famílias nas diferentes fases do processo de adoção legal, seguro e para sempre.

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