Como abuso na infância e adolescência afeta vida sexual da mulher adulta
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Janaína é uma mulher de 35 anos, criativa, articulada, sensível e afetuosa, além de ter uma presença física bem compatível aos padrões da mulher "bonita e boa de corpo". Ela decidiu procurar a psicoterapia em razão da insegurança, que mina a sua autoestima e a faz sofrer diante de um namorado 15 anos mais velho, que segundo a sua descrição, é o típico macho sedutor orgulhoso, com boa posição social, atividade profissional eticamente suspeita e que adora ostentar.
Toda vez que discutem, porque ele sumiu ou fez algo que aparentemente demonstra que estava com outras mulheres, traindo o contrato monogâmico, ele dá um jeito de inverter a situação e colocar a culpa nela, por não ser "confiável", andando por aí com roupas justas e sendo espontânea com as pessoas. Janaína sabe da violência emocional que essa relação produz na vida dela, mas simplesmente não consegue sair disso. Perdeu a bússola e chega mesmo a se confundir: será que ela merece ser constantemente atacada?
Abusada sexualmente pelo avô materno dos 7 aos 14 anos, quando finalmente teve coragem de contar sobre a violência que sofria, ouviu da mãe que ela tinha provocado. A mãe lhe disse que se isso aconteceu por tanto tempo porque ela devia gostar, "olha o seu jeito toda sedutora" e fez a então adolescente pedir desculpa ao avô, pelo incômodo familiar que a revelação provocou.
No consultório, explodindo em um choro convulsivo, ela se pergunta se no fundo, no fundo ela é mesmo culpada e merece ser chamada de "vadia" e passar a vida sem direito ao amor e ao respeito. Esse lugar do amor que deveria proteger, mas que desrespeita, expõe e invade é a grande sombra das pessoas que sofrem violência sexual intrafamiliar.
Ela fica imóvel na hora do sexo
Também é a culpa que move Cristiane, 43, cada vez que faz sexo com a companheira, "repetindo" uma posição de sedução e violência sexual vivida. O sexo a aprisiona num modo de "congelamento", uma das possíveis reações diante do agressor.
Essa paralisia, chamada tecnicamente de imobilidade tônica, o último recurso de defesa contra a predação, é bastante comum. A expectativa de que a mulher reaja firmemente e fisicamente contra o agressor é refutada, inclusive por estudos científicos.
Pesquisadores do Centro Nacional de Recursos contra a Violência Sexual de Estocolmo, na Suécia, entrevistaram quase 300 mulheres que procuraram o atendimento emergencial da clínica até um mês depois de sofrer um estupro ou tentativa de estupro. 70% delas disseram ter sofrido um nível importante de "imobilidade tônica", ou paralisia involuntária, durante o ataque e 50% a sofreram de maneira extrema, levando a um comportamento catatônico.
A sensação de congelamento, que petrifica o corpo, faz vagar a mente para um lugar "mais seguro" do que a situação real. Mas depois vem a culpa, por não ter tido reação contrária, de fugir do agressor. E as acusações sociais do "deve ter gostado disso, já que não fugiu" ajudam a colocar mais peso na situação. O problema da Cristiane é que, agora, com uma parceira que ela escolheu e deseja, tem dificuldade de mudar o padrão aprendido na hora do sexo.
Ela fica imóvel, na cama, esperando passivamente a parceira fazer sexo com ela. O desafio é combater a culpa que a situação lhe remonta e libertar-se para curtir o sexo, mesmo que seja só nessa posição —ou aventurar-se a explorar melhor o corpo da parceira. E por falar dela, afetuosa e compreensiva, ao seduzir e acolher, faz amor.
Ela não se sente à vontade com um homem
Giovanna, 25, tem uma relação de defesa diante dos homens, não se sente totalmente à vontade. Seja no plano intelectual, quando debate fervorosa sobre a vida, no emocional, quando os dilemas afetivos ameaçam a percepção sobre ser amada, ou no sexual, quando não consegue se sentir à vontade para fazer sexo. Gosta de transar com homens e curte penetração, mas não tem facilidade de lidar com o corpo masculino. Não que na sua percepção o pênis seja propriamente nojento, mas é um custo para ela fazer-lhe um agrado.
A relação com os homens é um eterno vaivém emocional. Mas ela luta bravamente para reconstruí-la, junto ao pai, que a abusou sexualmente anos atrás. A vantagem dela é que há uma genuína intenção de perdão e aprendizado emocional entre eles, o que vai melhorando, pouco a pouco, a construção da sua sexualidade.
Os aspectos neurobiológicos e psicológicos do trauma de uma violência sexual são extremamente complexos. Não existe uma reação que seja comum a todos, menos ainda consequências singulares. Falta de interesse em sexo, vaginismo, anorgasmia, aversão sexual, conduta hipersexualizada, são queixas sexuais que podem ter também como fator contributivo as situações de ofensa/violência sexual vivida.
Mas as repercussões podem ser muito mais amplas: dificuldades no convívio familiar, gravidez, prostituição, uso de drogas, baixa autoestima, depressão, comportamento autodestrutivo, ideias suicidas e homicidas.
Durante décadas de atendimento em consultório, fui testemunha de uma única história de mulher que sofreu ofensa sexual na puberdade, cometida por um tio, e que não sente que isso tenha lhe provocado um trauma grave. Todos os outros tiveram implicações em sua vida emocional e sexual, em maior ou menor grau de sofrimento, sejam homens ou mulheres, cis, trans, de qualquer orientação sexual.
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