Ele se apaixonou pela amante, mas não se imaginava longe da mulher e filhos
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Flávio tem 45 anos, 3 filhos e uma esposa linda. É um advogado muito bem-sucedido, que lidera um escritório grande, respeitado e rentável. Sempre foi um homem comprometido e ambicioso, ágil e assertivo. Tem um perfil controlador e vai sempre encaminhando as situações para que tudo aconteça da maneira que deseja. Dotado de muito carisma e bom humor, chega a ser cara de pau nas afirmações mais esdrúxulas e machistas, que me faziam rir.
Ele foi um dos pacientes com quem eu mais me diverti durante todos esses anos, pois ele conseguia rir do próprio sofrimento com sagacidade, o que me permitia fazer observações ácidas sobre a maneira como lida com as mulheres em geral.
Flávio está no segundo casamento, mas já teve muitas mulheres. Sempre fora infiel, com todas as parceiras, o que naturalizou as puladas de cerca e dava vazão para três necessidades: variação sexual, se sentir desejado e amado e manutenção do jogo erótico da sedução, trazendo movimento e diversão, para um cotidiano repleto de responsabilidades.
Mas ele tinha sim outros prazeres na vida, como a família e os filhos, que ele ama de paixão. Adorava me contar como ele era um pai e marido incrível, amoroso, cuidador e importante no cotidiano familiar, aliás, sua grande afirmação no mundo era exatamente essa: ser necessário e indispensável para todos a sua volta.
Quando veio me procurar, estava com um conflito intenso. Havia começado um caso amoroso com Daniela, uma advogada do escritório que simplesmente virou a cabeça dele por completo. A mulher dele tinha descoberto a infidelidade, colocado ele para fora de casa, mas, depois de muita conversa, decidiram retomar a relação, que tinha importância afetiva para os dois.
O problema é que Flávio estava completamente apaixonado pelo "demônio ruivo", como ele gostava de dizer. Segundo sua descrição, Daniela era uma mulher gostosa, ambiciosa, talentosa, vivaz e manipuladora, quase um Flávio de saias. Eles tinham muito em comum, inclusive o fato de gostarem de sexo e de ser presença impactante na vida de todos. A diferença é que ela era livre, leve e solta.
Quando estavam juntos faziam juras de amor romântico, planejavam uma vida em comum, enfrentando todos os desafios que um bom romance rocambolesco merece, para logo em seguida, enquanto ela entrava no banho, ele fuçar no telefone dela e descobrir que Daniela, dias antes, estava transando com algum colega do escritório. Ela jurava de pé junto que não, que estava esperando por ele, que faria tudo para tê-lo ao lado, que assumiria seus filhos e teria uma vida casta ao seu lado.
O ciúme infundado de Flávio -afinal de contas o casado era ele- denunciava que a paixão tem essa mania da exclusividade e que não dá para esperar coerência dos apaixonados. No entanto, no caso deles, a parte indisponível para o outro, no sentido de se decidirem a assumir um compromisso formal, virou o motivo para uma disputa de quem era capaz de renunciar à sua porção mais narcisista. E nenhum dos dois estava disposto a abrir mão de ser livre para encantar o mundo.
Daniela já tinha feito sexo com mais da metade do escritório, inclusive com um dos seus sócios, o que o torturava. Ela era solteira, fazia uma carreira brilhante e gostava de curtir a vida intensamente, com os amigos. Ele por sua vez, adorava a vida com os filhos e os finais de semana na fazenda da família.
Toda segunda-feira se via decidido a esquecê-la, já que não tinha motivos para se separar da mulher, com quem tinha uma vida estável, adequada e prazerosa, inclusive no sexo. Mas bastava um "Olá" do diabo ruivo no Whatsapp para ele fraquejar novamente.
Ao longo de um ano, ele viveu uma montanha-russa emocional e, por muitas vezes, pensou em se separar da mulher e viver uma vida de incertezas com Daniela. Mas foi a fantasia da tragédia anunciada que o fez aos poucos desistir da ideia.
Dualidades amorosas, que acontecem na vida das pessoas e as colocam em dúvidas atrozes, mobilizam as mais diversas fantasias e podem ser uma oportunidade de pensar com que tom cada um escreve a própria história.
Conheço pessoas que já viveram 3, 4 casamentos, porque acreditam que a energia do amor e da sexualidade não podem ser desperdiçadas em nome da comodidade afetiva de um bom casamento.
Quando contam suas histórias, não a fazem com amargura, culpa ou arrependimento, mas com a alegria de quem escolheu mudar o rumo da vida e tudo bem. Quando não são levianas abandonando filhos do casamento anterior, normalmente tentam agregar os novos parceiros à família, promovendo bem-estar geral e incorporando o modelo de quem acredita piamente que está tudo bem viver intensamente e ter várias relações ao longo da vida.
Outros, como no caso de Flávio, podem sentir que a nova aventura não valerá a pena e que determinados laços não devem ser desfeitos, ou porque são fortes demais, ou porque há valores morais envolvidos na construção da identidade pessoal, que faria romper o autoconceito delas como pessoas no mundo. No caso de Flávio, acontecia as duas coisas.
Toda vez que eu lhe perguntava sobre como imaginava a vida com Daniela, ele sentenciava o abandono dos filhos. Como não acordar com eles todos os dias, servir-lhes o café da manhã, levá-los ao clube ou cavalgar com eles todos os finais de semana. Muito embora ele soubesse que sim, os filhos sobrevivem a um divórcio amigável, era impensável imaginar os filhos brincando com um futuro padrasto, seu maior fantasma. E não adiantava eu dizer que padrastos só assumem paternidade de crianças com pais ausentes: qualquer exercício de futuro era uma sucessão de problemas que ele não queria "nem imaginar".
Um ano depois, como acontece com toda boa paixão, o demônio ruivo foi perdendo força e sentido. Sim, ele poderia ter escolhido viver com Daniela e é impossível saber como teria sido sua vida. Mas como todos somos protagonistas de nossas histórias, o capítulo já estava sendo escrito por ele como se fosse o ápice de um filme de terror. Escolheu o romance que acaba e deixa saudades.
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