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Ana Canosa

Depois que o bebê nasceu, ele nunca mais quis fazer sexo com a mulher

Shot of a young woman sitting on the edge of the bed after arguing with her husband; mulher na cama; sem sexo; casal em crise; discussão - PeopleImages/Getty Images
Shot of a young woman sitting on the edge of the bed after arguing with her husband; mulher na cama; sem sexo; casal em crise; discussão Imagem: PeopleImages/Getty Images

Ana Cristina Canosa Gonçalves

Colunista do UOL

15/10/2020 04h00

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Pergunta da leitora: Depois eu tive filho, minha vida sexual mudou. Meu marido simplesmente não quer mais fazer sexo comigo.

Sim, a vida sexual muda. Quanto menor e mais solicitante é o bebê, mais difícil fica. Se a família não tem uma rede de apoio para ajudar, alguém que possa ficar com o bebê enquanto os pais descansam ou passeiam, ainda mais complicado para ajustar horários, conseguir disposição e favorecer um ambiente de intimidade. Filhos são uma dádiva da vida, mas nos tolhem a liberdade e o sossego.

Alguns homens são tão acometidos pelas mudanças na rotina que sentem a libido escoar pelo ralo. Para além do cansaço dos pais que dividem tarefas com as mães dos bebês, há um excesso de temática infantil: chupeta, fralda, amamentação, que pode tornar o ambiente nada erótico. Sem contar os que passam a lidar com a vida de maneira excessivamente responsável e pesada, porque, agora, têm filho para criar. Endurecem, ficam ansiosos e, às vezes, deprimidos, o que pode afetar sobremaneira o comportamento sexual.

Engana-se quem acha que só mulheres estão suscetíveis à depressão pós-parto. Estima-se que cerca de 4% dos homens sejam acometidos por ela, que pode se instalar em até 2 anos depois do nascimento das crianças. Os sintomas envolvem: descontentamento geral, desesperança, perda de interesse ou prazer nas atividades, raiva, solidão, tristeza; pode haver problemas no sono, alterações de apetite, na libido, falta de concentração e dificuldade de criar vínculo com o bebê. Alguns homens expressam sentimento de culpa por não poderem ajudar com o cuidado com os filhos ou sentem-se tristes porque não conseguem acompanhar as "primeiras vezes" do bebê, aquelas que nos gratificam e compensam os esforços de cuidar deles. Sem isso, a tristeza se instala. Sabendo que pessoas com depressão podem ter uma alteração significativa no seu comportamento sexual, dê uma avaliada se esse quadro faz algum sentido no caso do seu marido.

Mas há sentimentos relatados por homens com depressão pós-parto que outros sem o transtorno também têm e isso se relaciona com a falta de desejo sexual: é o caso do sentimento de se sentir abandonado pela parceira.

A introdução de um terceiro na relação sempre provoca certa desestabilização. Alguns homens sentem ciúme ou inveja da posição que o bebê ocupa na vida da parceira e isso pode provocar raiva e/ou distanciamento afetivo e sexual. Esse quadro pode ocorrer durante a gestação ou depois do nascimento dos filhos. Não é incomum que alguns homens, inclusive para suprir a carência e garantir um lugar de exclusividade na relação com outra pessoa, se envolvam com outras mulheres.

Outro fenômeno curioso é a santificação da mulher, como se a imagem materna fosse incompatível com o erotismo. Já ouvi muitos homens dizendo que não sabem explicar direito, mas que fica meio impraticável fazer sexo com a esposa-mãe. Como se o prazer sexual, entendido nesses casos como algo "mundano", pudesse macular a imagem da santa mãezinha. Freud explicaria bem.

Mas, também precisamos pensar se você negligenciou o seu parceiro como homem e ele se afastou. Eu sei que, nesta fase do ciclo de vida, o que se espera de um homem maduro é que ele não fique como um bebê onipotente e chorão reclamando que a esposa não está depilada, que só quer dormir nos poucos momentos que tem livre, que você só pensa no bebê.

Um afastamento materno após o nascimento dos filhos é a coisa mais comum do mundo e às vezes leva cerca de um ano para que as relações sexuais voltem a ser praticas com mais regularidade. E isso não acontece só por causa dos hormônios que prejudicam a libido, mas também pelos aspectos emocionais que ocupam um espaço necessário dentro da psique materna, a formação do vínculo, a adaptação com a rotina, o cansaço.

E o amor, não é mesmo? Coisa mais deliciosa ter um bebê sorrindo para você. Até que o restante volte a solicitar ocupação, o mergulho é intenso e os maridos também se transformam, aos olhos de algumas mulheres, no pai de seus filhos e só. Eu sei que esse movimento pode até ser meio atávico, natural, como observado entre os animais. Aliás, esse também é um dos dilemas do casamento, acomodar todas peculiaridades psíquicas de cada fase do ciclo de vida.

Fazer dar certo dá trabalho. Já ouvi essa história várias e várias vezes. Não é uma questão de estar a serviço dos homens, sob uma perspectiva machista e sair por aí preocupada com o corpo, fazer sexo só porque ele está com vontade ou em seduzir para aplacar a angústia do homem-bebê, sendo recém parida.

O trabalho não é só da mulher, mas dos dois. O que acontece às vezes é um dilema na cabeça dos homens: eles reconhecem que a mulher está com uma grande demanda, que precisa descansar, mas que também é importante reconectar o casal sexualmente e que ele precisa fazer esse movimento.

Após sucessivas negativas da parceria, se afasta porque já não sabe como fazer. Então, se passaram dois anos e o casal nunca mais fez sexo.

Acolher o desejo, independente de quem ele partir, é muito importante. Você não precisa fazer sexo se não quer, mas vociferando, acusando e dando cotovelada, a situação se agrava. É preciso conversar com seu parceiro e dizer como você se sente diante do afastamento dele e compreender o que ele está sentindo. Quem sabe vocês conseguem se destacar um pouco dos papéis de pai e mãe, largar os cueiros e voltar a fazer brincadeira de adulto, o que certamente fará bem aos dois?