"Não apalpe o meu pênis": quando o machismo se volta para o próprio homem
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Recentemente, no reality "A Fazenda", o cantor Mariano reclamou quando Jojo Todynho apalpou o pênis dele, em uma espécie de "brincadeira" fraterna. Visivelmente incomodado, o cantor levanta dizendo que já tinha avisado que não gostava dessa brincadeira. Mateus Carrieri reforça: "homem nenhum gosta".
Esse podia ser o momento da revanche feminina: sintam, caros colegas, na própria pele, o que é sair pela rua com medo de ser apalpada, quando não assediada ou estuprada por aqueles que pensam ter domínio sobre os corpos, notadamente o de mulheres e crianças. Mas não é por aí que vamos construir uma sexualidade mais saudável para todos. O exemplo do vídeo que viralizou serve para refletirmos como o machismo, além de fazer as mulheres e as crianças reféns do poder da hegemonia masculina, afeta os próprios homens.
A violência sexual que os homens sofrem está nas entrelinhas
Em um estudo recente, apresentado ao programa de pós-graduação da UNIFOR, realizado com homens autores de violência sexual, me chamou a atenção o relato das experiências sexuais incômodas que esses mesmos homens sofreram na infância e adolescência. Um deles, por exemplo, relata que "quando eu tinha nove anos, uma garota de 14 me pegou e ficou mostrando as coisas, e eu não estava pronto para isso". Outro diz: "com uns 14 anos, meu pai me levou num puteiro".
Os autores do trabalho mostram como as narrativas das situações vividas revelam a violência nas suas entrelinhas, mas também como os homens muitas vezes não a percebem como tal. Isso não significa que não as sentiram, mas que internalizam que a violência, inclusive sexual, é o instrumental para "resolver" frustrações, raivas e desejos e assim como foram vítimas, reproduzem o modelo.
A ilusão do desejo "infálivel" masculino
Embora os exemplos citados, bem como a atitude jocosa da Jojo, não sejam legalmente enquadrados como ato de violência sexual, podem sim ser sentidos pela pessoa como tal, como uma violência moral, injúria contra a honra ou um crime contra a liberdade individual. Deixo essa discussão para os juristas.
Minha questão é outra: a sexualidade masculina foi atravessada pela ilusão de um falo mágico, poderoso, que tudo pode e não suporta a real vulnerabilidade, a que todos estamos sujeitos.
É preciso coragem para admitir que o maior símbolo da virilidade, o pênis ereto, tem algumas considerações a fazer: afinal, não é com qualquer mulher ou qualquer homem; afinal não é em qualquer situação; afinal eu não estava pensando nisso; afinal estou cansado; afinal eu prefiro colo, conexão e intimidade.
A perigosa objetificação do ser masculino
Não é possível afirmar com exatidão sobre números de violência sexual contra meninos ou se é menos notificada do que a que ocorre com as meninas. Estamos fazendo um trabalho forte e ainda muito necessário, contra a violência voltada a mulher. Sim, porque de fato somos mais vulneráveis. No entanto, quero sensibilizar os leitores para os inúmeros relatos de meninos, púberes e adolescentes que sofreram algum tipo de violência sexual no seu desenvolvimento e que não conseguiram ter a mesma atitude que Mariano e Mateus. Ou porque lhes faltou maturidade e segurança ou porque aprenderam a ler nas entrelinhas a pressão social para silenciar ou resolverem sozinhos, questões sexuais.
O assunto não é palatável, eu sei, mas é necessário discutir porque os homens têm tanta dificuldade de fazer como o cantor fez. Muitas vezes, entre os próprios amigos, diante dos assuntos incômodos, riem, fazem piada, sacaneiam o amigo. Em se tratando de sexo, obrigam-se a calar quando sofrem disfunções sexuais, ou quando passam por sofrimentos emocionais: "vai passar" ou " vamos ali que eu te apresento umas garotas".
É a objetificação do ser masculino, a castração de seus afetos, a tentativa de separar o corpo da alma. Sério, isso nunca dá certo.
Convido Mariano e Mateus, para incorporarem, com orgulho, o grupo do Mimimi - o que prima pela liberdade do corpo e dos afetos, que luta pela igualdade, pelo respeito, pela humanidade e pelo consentimento acima de tudo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.