2020: o ano em que repensamos tudo, inclusive nossa vida sexual
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No campo do tesão e dos afetos, 2020 foi um ano (sendo muito boazinha) desafiador. A privação de liberdade nos colocou no estado da forçosa contenção e tocou fundo em questões que só a sexualidade fornece acesso. É no contexto íntimo, de identidade, fantasias e desejos, que guardamos uma parte que poucos conhecem e foi interessante perceber que a necessidade de expansão se revelou para algumas pessoas.
Durante o ano tivemos que obrigatoriamente olhar para dentro, para nosso mundo interno e para nosso ambiente doméstico, sem distrações. Nunca o mercado erótico esteve tão aquecido e a não-monogamia foi tão discutida. Pessoas experimentaram orgasmos através da masturbação pela primeira vez, outras exibiram seus corpos em ambientes virtuais, fetiches apareceram.
Muitas pessoas sofreram em seus apartamentos vazios, não porque estivessem inseguras - afinal todos estivemos - ou porque não deem conta de si: embora a vida também aconteça no ambiente online, para muitos a presença física é necessária a fim de energizar seu campo pessoal. É no abraço de um amigo, no café com outro, nos olhares trocados na reunião de trabalho, o papo com a vizinha, a caminhada no parque. Quem pulsa forte no ambiente externo, adoeceu.
É também a falta de sexo, para quem se comunica dessa forma, como me relatou um seguidor outro dia: "moro com meu pai idoso e não posso me encontrar com ninguém. Sexo para mim sempre foi mais do que descarregar tensão sexual: é o que me conecta, que me faz sentir desejado e desejante, onde eu satisfaço a minha necessidade de toque, de intimidade. Não há sexo virtual que me ofereça isso".
Uma pesquisa da match.com, empresa norte-americana de apps de relacionamento, conversou com mais de 50 mil americanos e descobriu que 63% dos solteiros estão investindo mais tempo na procura por potenciais parcerias e que 25% buscaram reatar o relacionamento após o início da pandemia.
É por essas e outras que à primeira vista, 2020 seria o ano dos casados: sexo e afeto garantidos. Alguns casais de fato superaram as expectativas, tiveram o privilégio de fazer sexo mais preguiçosamente pela manhã, já que não precisaram encarar 1 hora de trânsito para chegar ao trabalho. Sexo às 15hs, entre uma reunião e outra. Final de semana sem compromissos externos, mais preguiça e sexo. Conversas sobre o assunto, encontrar prazer quando o tema só foi dor. Mas esses fazem parte do grupo privilegiado, que não tem filhos pequenos ou em idade escolar, que conseguiram trabalhar em espaços individualizados. Que não perderam amigos próximos ou familiares, que não tiveram seus comércios fechados, que não perderam emprego ou viram suas atividades laborais irem vagarosamente para as cucuias, na medida que a situação ia se estendendo mais e mais.
Podemos pensar que existem de fato duas pandemias, a de quem a viveu com privilégios e a de quem esteve desprovida deles e isso é claro que faz diferença, mas ainda assim, eu quero reforçar que a vida confortável serve para muitas coisas, mas não resolve vazios afetivos.
Mas óbvio que não bastou ser comprometido para encontrar na vida doméstica acalanto e prazer: para muitos casais a privação de liberdade escancarou um relacionamento sem brilho. Colocou sobre lentes de aumento as dificuldades e o desamor, a falta de tesão, as diferenças éticas e morais, o convívio difícil, a falta de parceria, a impaciência, a perda da admiração, a desigualdade dos papéis atribuídos no relacionamento. Enquanto ia-se empurrando o casamento com a barriga, diluindo os problemas nas horas de trabalho e atividades de lazer aos finais de semana, não tivemos para onde correr. Entre o quarto e o banheiro, esbarrou-se na parceria, a todo momento. Desnudar-se em situação de vulnerabilidade é um ato de coragem e nem todos foram capazes disso.
Quem soube aproveitar para pulsar dentro do vínculo conjugal, expandindo-se em direção ao outro de maneira terna, estabeleceu uma cumplicidade intensa. Já quem sentiu o vínculo como mais uma ferramenta de privação, violência ou descaso, teve que enfrentar essa dor. Divórcios e separações podem ser soluções difíceis, mas necessárias para a vida continuar pulsando dentro de nós.
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