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Ana Canosa

"14 anos e transei". Trend do Twitter é chance de falar de educação sexual

Menina de 14 anos transa e posta no Twitter. Não é pra rir ou julgar. É pra acolher e conversar - skyNext/Getty Images/iStockphoto
Menina de 14 anos transa e posta no Twitter. Não é pra rir ou julgar. É pra acolher e conversar Imagem: skyNext/Getty Images/iStockphoto

Ana Cristina Canosa Gonçalves

Colunista do UOL

07/01/2021 16h24

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Que o Twitter é terra de ninguém, lugar de polêmicas certeiras, comentários ácidos, alguns inteligentes e fofos, mas a maioria odiosos, já sabemos. Tem que ter estômago para segurar o monte de gente emitindo opiniões emocionadas e destilando seu veneno. Agora, imagine quando se é uma adolescente de 14 anos, fazendo da sua iniciação sexual a manchete do dia.

Passei pelo menos uns 40 minutos lendo os tuítes, a maioria julgando a imaturidade da moça, outros se comparando - os comentários mais divertidos - "quando eu tinha 14 anos, estava cuidando do Pou"..."Eu tenho 15 e nem beijei ainda". Os mais incomodados tentavam enquadrar a relação (ela com 14 - ele com 17) em estupro de vulnerável (não é) e os mais desencanados mandaram todos cuidar da própria vida, que com 14 ela já sabe exatamente o que fazer, haja vista que foi consensual - inclusive ela reconhece que não usou preservativo e que já tomou a pílula do dia seguinte.

Educação sexual x abstinência sexual

Muitas pessoas fizerem considerações sobre "cadê os pais de moça". Pergunto se fosse um rapaz, a divulgar sua primeira relação sexual, se alguém faria menção aos pais do garoto, ou se o tuíte entraria nos trends do Twitter. Provavelmente não, pois esse controle sobre o comportamento sexual acontece maciçamente sobre a mulher e vem de todos os lados, inclusive das outras mulheres.

Outros comentaram sobre a falta de educação sexual nas escolas (no que eu concordo), e reforço que muitas vezes, quando há, os jovens não são ouvidos em suas questões mais prementes, principalmente as que tratam sobre o prazer. Alguns combateram críticas, chamando a atenção para a realidade do Brasil - não dá para exigir "responsabilidade" de adolescentes que vivem contextos sociais tão distintos, muitos em situação de vulnerabilidade extrema - no que eu também concordo.

É como fingir que todos os nossos jovens estão saudáveis, vivendo contextos educativos nos quais a liberdade de expressão é respeitada, e a criatividade, responsabilidade e espírito crítico estimulados; que eles estão vivendo a sua juventude ao entorno de atividades culturais e esportivas, felizes, como sugerem as imagens da propaganda: 'Tudo tem seu tempo: adolescência primeiro, gravidez depois', que coloca a abstinência sexual como carro chefe para prevenção de gravidez na adolescência. Só para lembrar, 75% dos jovens nem-nem (nem estudam, nem trabalham) são meninas - sendo que dessas, mais da metade já é mãe.

Para mudar esse cenário, há muito mais o que fazer do que só propor abstinência sexual: combater a misoginia, o machismo e o sexismo, empoderar mulheres e meninas, combater violência de gênero, racismo, desigualdade, trabalhar a sexualidade e o afeto desde cedo, tendo a escola, a iniciativa privada, as ONGs e poder público como aliados. O que no Brasil, atualmente e infelizmente, é uma realidade para poucos. Que tudo tem seu tempo, é óbvio. Mas que tempo é esse? Será que os nossos adolescentes estão vivendo as mesmas (boas) coisas que imaginamos para eles "na melhor fase de suas vidas?"

Mas tem idade certa?

Minha bisavó aos 14 já estava grávida do primeiro filho, casada e vivendo a vida, como boa parte das mulheres da sua geração, não sendo acusada por ninguém de precocidade. Na medida em que a adolescência se estendeu, no que se espera dela (anos de formação acadêmica - com curtição nas horas vagas para os privilegiados), passamos a achar que um adolescente não deve interromper sua vida com as responsabilidades que a minha bisa tinha e que recaem, boa parte, sobre as mulheres.

Desejamos mais liberdade para os nossos filhos se iludirem, enquanto a vida dura não chega. Talvez seja por isso que incomode tanto a moça de 14 dizer que já transou, sem preservativo, mas usando a pílula do dia seguinte: É o corpo sendo inundado de hormônio, as emoções que uma relação sexual pode provocar em alguém ainda tão jovem. Posse, ciúme, expectativa, afirmação, autoestima, medo da rejeição, sem contar ISTs e gravidezes não desejadas. Porque na maior parte das vezes, fazer sexo não é simplesmente "lavou tá novo", sabemos disso.

Há uma espetacularização do sexo, que está muito longe de ser uma verdade generalizada. E quem tem mais de 20 anos sabe disso. Eu prefiro compreender todos os comentários indignados, mais como uma projeção da complexidade afetiva-sexual que as pessoas vivem, ou que já viveram, ou da realidade que já ouviram. É um grito angustiado de: brinque mais um pouco querida, que sexo pode ser bom, mas boa parte das vezes ele vem com um pacote que pode não ser fácil de carregar.

Se temos que cuidar de nossas crianças e jovens digo, no alto dos meus 52 anos e 30 de profissão, mais preocupados deveríamos estar em debater muitos assuntos sobre sexualidade em casa, nas escolas e comunidades, para munir nossos jovens de reflexões sobre ideias, sentimentos e emoções, do que ficar fazendo julgamentos sobre o que é certo ou errado em se tratando de sexualidade na adolescência.

Pensar, por exemplo, como mediar a difícil questão que se interpõe entre o público e o privado, na esfera da sexualidade. Mais preocupada estou com os sentimentos da jovem, ao ler todos os comentários julgadores sobre a sua dupla atitude: (transar aos 14 e anunciar isso no Twitter) o que me desafia a pensar como trabalhar isso na perspectiva educativa, já que estamos T-O-D-O-S nós vivendo esse fenômeno.

A sexualidade e o sexo estão definitivamente na esfera pública, com o advento da internet e das redes sociais. Por que da mesma maneira que há descuido do lado de quem expõe, há do lado de quem comenta, compartilha e anuncia. Em se tratando de afirmação de identidade, massacrar uma garota de 14 anos é uma atitude eticamente bem questionável.

Se a jovem de 14 anos tivesse me dirigido a palavra, eu perguntaria como foi a experiência, se ela teve prazer, ou se teve dor, como está se sentindo, o que lhe passa pela cabeça no dia de hoje. Se ela tem com quem conversar. Educação sexual começa assim, caso você se pergunte como pode fazer para se aproximar e conversar com os seus.