Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Fiscais de bunda alheia notificam vizinha por uso de short. É sério isso?
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Uma advogada de 36 anos recebeu uma mensagem do Conselho de Mulheres do condomínio dela pedindo para que pare de usar shortinhos ou roupas de ginástica nas áreas comuns do prédio a fim de evitar constrangimento entre os casais. Eu morri de vergonha alheia dessas mulheres do tal Conselho, mas vergonha é uma coisa que parece que as pessoas de fato perderam de vez.
A que ponto, senhoras e senhores, chegamos? Fiscais de bunda alheia, como se já não bastasse tudo o que estamos vivendo. Uma bunda bonita passeando pelo condomínio é, no mínimo, uma alegria. Mas é isso: até para usufruir do prazer e admirar o belo é preciso disposição interna.
Fiquei pensando na conversa entre as conselheiras e as possíveis leituras dos comentários. Onde uma diz: "Vocês viram aquela moradora do apartamento tal mostrando a bunda toda no elevador?" revela-se: "Estou morrendo de inveja dessa abundância toda". Onde se escuta: "Vê se pode andar assim no elevador" entenda-se: "Inveja dessa liberdade toda". E onde está: "Um absurdo" significa: "Nunca tive uma bunda igual".
A justificativa é que constrange casais. Seria porque talvez - mas só talvez - os maridos das conselheiras estariam todos olhando para o derrière da moradora? Ou seria porque ela encarna o estereótipo da beleza brasileira, a que, possivelmente, todas a conselheiras votantes a favor da tal mensagem estão aprisionadas, com a autoestima baixa, porque já não tem bundas durinhas assim?
Ou então porque voltam para seus apartamentos e não são elogiadas, ou até porque seus maridos, babões, fazem questão de esfregar isso na cara delas quando comentam da bunda de todas as mulheres da televisão? Ou então, quem sabe, porque acabaram de descobrir o consumo deles por pornografia quando lhes invadiram celulares e computadores?
Perpetuam a crença de que os homens são animais irracionais, à beira de um colapso caso não façam sexo. Claro que alguns de fato agem dessa maneira, mas há nesse comportamento muito menos de biologia, mas de falta de amadurecimento emocional, de educação e, porventura, algum transtorno mental associado.
Elas devem acreditar naquele ditado: Segure a sua cabra, que o bode está solto. A perpetuação da crença do macho tomado pelo impulso sexual descontrolado se deu em todas as esferas e por todos os dispositivos, inclusive na educação de mulheres: faça sexo com seu parceiro sempre que ele quiser para evitar que ele faça sexo fora do casamento.O grande problema desse pensamento é que ele coloca o corpo feminino sempre erotizado e como possível alvo de assédio, além de mero depositário da descarga de acúmulo de tensão sexual do macho.
Ou seja, aquilo que era de responsabilidade do homem, dar conta de seus desejos e saber como resolvê-los de maneira ética e empática, virou responsabilidade da mulher. Não é ele quem deve se controlar, mas a mulher que não pode vestir-se de tal maneira a lhe provocar o desejo.
Faz parte desse mecanismo sórdido estimular uma competitividade entre mulheres, que precisarão adaptar-se ao anseio masculino pelo corpo sedutor e erótico. Quantas e quantas vezes eu já vi isso acontecer: uma das pessoas do casal se torna a polícia da relação, a censura, aquela que tem como função limitar o prazer alheio, controlar os excessos do parceiro.
Não sei quantos maridos daquelas conselheiras do condomínio são homens compulsivos, abusivos e escrotos, do tipo que não pode ver uma bunda sem ficar babando. De qualquer modo, virar a polícia do impulso alheio é um trabalho cansativo, que coloca os homens no lugar de filhos, não parceiros.
A história é demasiado patética, pois perpetua a maligna herança feminina de ser a culpada por tudo, inclusive pelos possíveis abusos que venha a sofrer. Eu prefiro acreditar que as pobrezinhas "conselheiras" do condomínio estejam surtando com a independência que deveríamos ter sobre nossas vidas.
Reforço e aviso: é um passo para a loucura completa, em que as mulheres, além de acharem que devem controlar os excessos dos parceiros, buscam também retirar-lhes qualquer que seja um gatilho para um possível desatino sexual.
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