Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Eu entendo Verônica, dona do Airbnb que Felipe alugou pra fazer uma suruba
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Verônica, eu não te conheço, mas te amo. Ontem ouvi várias e várias vezes seu áudio para o Felipe, hóspede que alugou a sua casa pelo Airbnb e que, segundo o que pude perceber, no seu ponto de vista, ele devia ter avisado que tinha a intenção de fazer sexo - ele e seus 15 amigos e mais sabe-se quantas mulheres.
Concordo que é de amargar: que jovem abusado esse, que esfrega na nossa cara (e nas imagens das câmeras da sua casa), uma suruba, em plena pandemia - e nem avisa! Nem convida! Para piorar, quando confrontado, alegou que já fez sexo - sem pedir autorização para o proprietário - em banheiros químicos, na obra alheia e sabe-se lá quais outros logradouros, públicos ou privados. Se já atuou em palcos tão menos nobres, porque não se exibiria em tão nobre morada, pela qual inclusive estava pagando?
Meu Deus, há quanto tempo Verônica, a gente não tem disposição para fazer sexo nem na cama mesmo, e esse menino esbanjando disposição, sem tempo ou lugar ruim! Quando eu penso no Felipe fazendo sexo no banheiro químico, durante sei lá o carnaval de Salvador, ou em um bloco de carnaval na Vila Madalena, o cheiro já me enjoa e o meu ciático grita. Covid não havia, mas e cólera!
A que ponto chegam os jovens destemidos, com essa bendita mania de transgredir as normas de boa educação e convívio cívico, para não falar nas sanitárias! Instinto puro, animais, desalmados. E ainda por cima maculando nossos lençóis, banheiras, mesinhas de cabeceira, pia da cozinha, piscina, jaboticabeira e deus sabe onde mais..
Verônica, eu te amo porque entendo que você mora nesse país lindo, mas com um povo maltratado, sedento para se deitar nos lençóis e ter um pingo de paz no coração.
Você não aguenta mais ser desapropriada - mesmo recebendo aluguel - desrespeitada diante da sacanagem e do regozijo alheio. Enquanto você vai ao supermercado, de máscara, óculos, face shield, passando álcool gel até escamar as mãos - pior, só as mãos - morrendo de medo de pegar covid, inconformada com a privação da sua liberdade, o Felipe tá fazendo sexo no jardim, no quarto dos seus filhos ou à beira da piscina, para comemorar o aniversário dele. Nem aí para Covid, sífilis, gonorreia ou candidíase. Tenha a santa paciência.
Mas olha Verônica, eu não sei você, mas a maioria das pessoas, sejam casadas solteiras ou tico-tico no Fubá, como diria Silvio Santos, precisam fazer sexo fora de casa, porque a casa da gente é tipo um manto sagrado do conforto, do aconchego e da proteção, e por isso mesmo o sexo tende, com o tempo a ficar morno.
Excitação mesmo, diante desse contexto de amor combinado com boleto para pagar e compras do mês, é fazer sexo na escada de incêndio do prédio, ou dentro do carro na garagem - do vizinho e com a vizinha, de preferência. Eu sei Verônica, que isso pode parecer libertinagem, mas é um impulso humano.
As pesquisas sobre fantasias sexuais apontam que fazer sexo em espaços públicos está entre as top 5 no ranking das 10 mais. Nesse sentido, se o Felipe alugou um espaço privado, que pela natureza do negócio se torna também público, ele estava no melhor dos cenários, fazendo sexo em um lugar público/privado. Inteligente ele é, convenhamos. Ademais Verônica, os solteiros estão tão desolados nessa pandemia, muitos há mais de ano sem beijar a boca de ninguém, que fazer sexo no dia de aniversário é um presente, digamos, bem razoável, quase um tributo à saúde mental, não é mesmo?
Tá, eu sei que o Felipe não é nada seu, além de inquilino, e que você ainda liberou um quarto para ele dormir e não voltar embriagado para casa, mas querida, ele é jovem e ainda olha para a cama como um motivo lúdico para ficar acordado, diferente de todos e todas nós, que desolados deitamos nas nossas camas, torcendo para não sermos acometidos pela insônia, alguns com medo da morte, outros com a dor e a saudade dos que se foram, sem contar os desesperados pela dura realidade de não ter o que comer - e aí ser obrigado a assaltar a geladeira, se é que você me entende.
Eu poderia listar dezenas de tristes motivos para a gente olhar para a cama e pedir a Deus para conseguir dormir e esquecer um tantinho do sentimento de desamparo e orfandade que vivemos nesse tempo sombrio. Sexo? Quem tem energia, humor, motivação e disposição, para fazer da cama o mobiliário, testemunha do gozo? O Felipe. O desgraçado que nos motivou uma inveja nacional.
Mas Verônica querida, embora você saiba que esse texto contém uma certa ironia, de verdade não me leve a mal e eu quero lhe dizer uma coisa. Você me arrancou gargalhadas sinceras, das minhas entranhas. Você foi a musa do meu prazer na quarta-feira, rainha absoluta da minha semana. Eu ouvi a sua voz espontânea, inconformada, enraivecida, várias e várias vezes e eu empatizei foi com essa sua capacidade de lutar pelo direito de decidir quem vai ou não fazer sexo na sua casa. Afinal, diante da cena de privação, essa liberdade ainda é sua, não é mesmo?
Embora eu pense que seja estranho limitar o sexo na casa alugada, principalmente se ele aconteceu nos locais que constavam no contrato e sem uma cláusula explicita admitindo a prática ("pacta sunt treparum" no direito romano), e eu mesma alugue casas na plataforma, torcendo para que o sexo aconteça diante dos "novos ares", respeito sua posição.
Peço ao menos que você considere que o Felipe, para além de um jovem abusado, é alguém que está fazendo sexo e, para a salvação da natureza humana, nesse momento, deve ser perdoado!
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