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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Juliana que amava Andreza que amava Ju... Mas queria amar mais gente também

Ana Canosa fala sobre os contratos estabelecidos entre amigos e amores; estabelecer transparência é um dos caminhos - Morsa Images/Getty Images
Ana Canosa fala sobre os contratos estabelecidos entre amigos e amores; estabelecer transparência é um dos caminhos Imagem: Morsa Images/Getty Images

Colunista de Universa

19/08/2021 04h00

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Juliana e Andreza tem em torno de 35 anos e namoram há sete. Elas se conhecem desde a adolescência e já naquele período sentiam uma conexão diferente, um poderia vir a ser, um desejo que se anunciava, mas que na época não se concretizou. A juventude se encarregou de afastá-las: faculdade e cidades diferentes, alguns amores com homens e mulheres, um casamento e uma filha para Andreza.

Quando voltaram a morar na mesma cidade, como se quisessem concretizar presságios da adolescência, retomaram o contato e o amor erótico se estabeleceu. Foram três anos difíceis, de uma relação apaixonada e clandestina, além de dramática, como todo enredo romântico gosta: a espera, a possibilidade da separação de Andreza, o dilema, a ansiedade da escolha, a expectativa de Juliana de, enfim ser a escolhida.

"É interessante como muitas pessoas se habituam ou se alimentam da espera. A expectativa de assumir o lugar privilegiado, esse que é legitimado pela sociedade, como parceira assumida. Amantes, por vezes, acabam se acostumando a viver assim, no aguardo.

Às vezes o conflito está ali, na autoavaliação: alguém que sempre se achou a segunda escolha, não bom o suficiente, como os irmãos ou os amigos da escola, pode se acostumar ao auto martírio. Cada passo não dado pela pessoa a quem se destina o amor, é uma maneira de reafirmar: está vendo, você ainda não é bom o suficiente"

Enfim, Andreza se separou, e elas começaram a namorar. "Escolhemos uma à outra a passar os restos dos dias e compartilhar a vida juntas", me disse Juliana. Era o fim da dúvida, do segundo plano. Elas selaram pactos, inclusive de compartilharem — uma com a outra — casos em que fossem assediadas por outras pessoas.

Acontece que Andreza tinha um casal de amigos, Reinaldo e Silvia, uma relação antiga e próxima. Eles andavam muito juntos, compartilhavam vivências e afetos. O casal namorava há 6 anos, mas tanto Reinaldo e Silvia tinham, cada qual a sua maneira, interesse em Andreza.

A relação tinha idas e vindas, principalmente pelas infidelidades de Reinaldo. Andreza e Silvia já tinham ficado na adolescência, mas Juliana percebia que o interesse de Silvia pela namorada continuava. Reinaldo era muito prestativo, fazia muito por Andreza, estava sempre presente, mesmo sem Silvia ou Juliana por perto. Os dois casais saiam com frequência juntos

Com o tempo Juliana percebeu que Andreza, que até então sempre mostrou ser uma pessoa sensata e assertiva, quando se tratava de Reinaldo e Silvia, perdia totalmente o filtro e os envolvia sempre, até na data de comemoração do namoro delas. Indagada, Andreza admitiu que Reinaldo tinha interesse nela, mas que como são amigos, não havia problema, que ele sabia respeitar os limites.

O problema maior foi depois que Reinaldo e Silvia se separaram e ele passou a frequentar cada vez mais a casa de Andreza. Além dos favores habituais, ele passava na casa dela para levá-la ao mercado, para conversar e tomar cerveja, telefonava avisando que ia tomar café —que, segundo ela, eram coisas que eles já faziam e que isso era comum na amizade deles. Algumas vezes, depois de uma arrumação em casa, saiam para almoçar em algum lugar. A frequência só aumentou.

Depois de muitas DRs, com Juliana apertando a namorada sobre a relação dela com Reinaldo e ela respondendo: "Imagina, somos só amigos", Andreza admitiu que uma vez ele tentou beijá-la. Ou seja, além de ter invadido o limite da amizade, ela também não respeitou o pacto inicial, de conversarem quando alguém recebesse uma investida.

"Foi ficando claro que Andreza também estava aprisionada no 'pode vir a ser', mas de outro jeito.

Para Andreza, poderia ser, quem sabe, uma relação com Silvia, quem sabe uma com Reinaldo, quem sabe uma só com Juliana, quem sabe um poliamor. Andreza adorava se colocar como a desejada por todos(as), curtia o jogo da sedução e não estava disposta a abrir mão dele. Juliana que desses seus pulos para entender a amizade que ela tinha com as pessoas, principalmente com Reinaldo.

A relação foi ladeira abaixo. Por mais que tentassem acordos, a vontade de Andreza em manter a intimidade fraterna era maior do que acolher a insegurança de Juliana. Reinaldo continuou presente e íntimo. Não foram poucas às vezes que Juliana foi na casa da namorada e lá estava ele, a tomar seu cafezinho.

A verdade é que não deveríamos ter que renunciar aos afetos e as relações, para salvar a paz interior das parcerias amorosas. Também não dá em boa coisa ter que domar uma personalidade desejante para se enquadrar na monogamia afetiva. Por outro lado, não há relação sem concessão. De qualquer modo, é a transparência de necessidades e desejos que favorece uma escolha lúcida. Refazer contratos é necessário, mas avaliar os riscos se faz fundamental nesse caso.