Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Qualquer que seja a história de um vibrador, nunca é fácil jogá-lo no lixo
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
"...Eu parecia uma espiã [risos], jogando as pirocas pelos lixos do Rio de Janeiro. [...] Eu botei num saco preto e fui jogar os cadáveres fora... Eu ia desovando, parecia uma sequestradora pegando resgate na lixeira... Desovar eu fui com a amiga, agora, comprar, não..." (Michelle, 38 anos, p. 185).
O livro "Mulheres que não ficam sem pilha", de Luciana Walter (Rio de Janeiro: Mauad, 2017), é resultado de sua pesquisa sobre consumo erótico feminino. Dividido em capítulos, ela analisa as respostas das entrevistadas sob vários pontos de vista relacionados ao consumo e à relação com os objetos na sexualidade da mulher.
A leitura é muito interessante, sobretudo quando mostra como cada entrevistada descobre o vibrador e o insere no seu comportamento sexual, seja para buscar prazer solitário, seja em uma relação. Me diverti com as passagens sobre "descarte" de vibradores e outros acessórios eróticos, que demonstram como as mulheres e os homens (imagino, só imagino) podem se envergonhar se forem flagrados como seus usuários, mesmo que já tenham vencido, sob essa perspectiva, as barreiras de comprá-los e apresentá-los às suas parcerias.
Qualquer que seja a história de um vibrador, nunca é fácil jogá-lo no lixo, ao que parece, tamanha é a sensação da transgressão. É preciso um cúmplice para praticar "o crime".
Como, por exemplo, no caso da mulher que, em vez de se desfazer no Brasil dos objetos quebrados e em desuso, resolveu levar todos para outro país e descartá-los no lixo estrangeiro, sempre ao lado do marido:
[...] Eu juntei uns cinco, aí eu embrulhei tudo e joguei no lixo. [...] Eu não tinha coragem de jogar fora [aqui no Brasil] [risos]! Acho que eu tinha um relacionamento emocional com o tal vibrador. [...] Longe de casa! Primeiro porque eu tava péssima, era tipo um amigo, meu vibrador [risos]. Aí eu fiquei com vergonha, imagina...! A gente jogou os vibradores num parque... Me dá uma tristeza. Eu tenho que fazer o enterro deles depois.
Julia, 38 anos, p. 186
Ou, ainda, da outra que ficou com medo de ter seu lixo descoberto porque achava que a vizinha era madura demais para ter um vibrador: "[...] peguei, coloquei num saco plástico, peguei o carro, fui pra rua. Então eu achei que ficava muito, assim, visível a coisa. Aí peguei, botei num saco plástico, peguei o carro, fui na rua, procurei uma lixeira dessas da prefeitura e coloquei lá dentro." (Ruth, 56 anos, p. 184).
Tem o pinto da raiva, da vergonha, do prazer
São muitos os objetos dos quais nos desfazemos diariamente, tornando o lixo um desafio para o planeta. Para a maioria de nós, mesmo movidos pela prática do "desapego", há coisas das quais são quase um sacrilégio nos desfazermos, ou porque nos foram presenteadas, ou porque nos fazem acessar a memória afetiva de um tempo feliz ou, óbvio, os dois.
E certamente que, agregado a um objeto tão íntimo, como um vibrador, há muitos significados: o primeiro, o que te "desvirginou" (virgem de vibrador); o primeiro que proporcionou um orgasmo; o da "dupla penetração"; aquele grande e grosso, parecido com a sua fantasia sexual, mas que na prática incomodou mais do que deu prazer. Ou um bem colorido, cheio de luzes e efeitos especiais, que foi presente do marido, mas que você acha carnavalesco demais, preferindo um com cara de pinto de gente.
Tem o pinto que o ex-marido colocou na caixa aberta, bem em cima, com o restante das coisas da ex-mulher, para ambos os advogados verem, tentando constrangê-la... No que ela rapidamente disse: "Esse aqui não é o meu... Esse é o seu", para desespero dele. Tem o pinto da raiva, da vergonha, do prazer, da nova prática sexual, da traição. Tem o pinto da aula, que passa no raio-x do aeroporto e faz funcionários corarem; o que foi pego pelo cachorro; pela funcionária; que foi jogado pela janela e aquele que nem pinto era, mas um massageador corporal.
E tem aquele vibrador que não foi comprado, ao se imaginar, no caso de morte, o que as pessoas iam pensar ao descobri-lo entre as coisas da falecida. Todos casos verídicos. Qual é a história do seu?
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.