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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mulher trans e o corpo: reflexões na construção de uma autoestima positiva

miljko/Getty Images
Imagem: miljko/Getty Images

Colunista de Universa

05/02/2022 04h00

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A Fernanda tem 23 anos, se nomeia como uma mulher trans desde os 19 anos, pouco tempo depois de entrar na faculdade. Está no processo de readequação de gênero e, apesar de ter muito orgulho da sua trajetória, tem diversas questões com o seu corpo.

Não o acha bonito ou feminino o bastante, e evita ficar nua na frente das pessoas, mesmo aquelas em que pode confiar. Mas este lugar "seguro" que ela procura diante dos outros é na verdade o espaço seguro que ela ainda não conquistou dentro de si mesma. Não é à toa. Se mulheres cisgênero já sofrem com a autoimagem corporal, pois estão a todo tempo sendo bombardeadas com mensagens sobre "o corpo perfeito", imaginem uma mulher trans, para quem a identidade de gênero não se reconhece totalmente no sexo biológico atribuído ao nascimento.

O desafio é duplo: primeiro ajustar a corporeidade à identidade e expressão do gênero de acordo com a sua compreensão pessoal sobre o corpo desejado; depois ter que dar conta do que se espera, em termos estéticos, sobre feminilidade.

Algumas mulheres trans podem sentir grande pressão para corresponderem a um padrão cultural da expressão da feminilidade e também em se relacionarem com homens, maneiras que a sociedade costuma "legitimar" a condição feminina no modelo heterocisnormativo.

Cabe lembrar que mulheres trans podem ser hetero, homo, bissexuais, binárias ou não binárias. Podem ter realizado cirurgias de redesignação sexual, hormonização e/ou procedimentos estéticos de feminização ou não. Podem ter aparência típica do sexo feminino ou não. Ter comportamentos, papel social e expressão típica do sexo feminino ou não. Podem se apresentar publicamente como mulheres trans ou não. Mas essa liberdade toda ainda não encontra acolhimento em uma sociedade transfóbica como a nossa, que empurra mulheres trans para uma "adequação".

Fernanda diz que ser examinada por médicos (as) é muito difícil. A situação de vulnerabilidade que todos sentimos, ao expor parte de nossos corpos para estranhos de "suposto saber", fica ainda mais estressante quando este corpo é visto como patologia, e não uma condição.

A insegurança de Fernanda interfere, nas suas relações amorosas. Ela teve alguns namoros antes de começar a transição, mas, sua autoestima baixa já a acompanhava nessa fase. Agora, além de não se sentir bonita, tem um pouco de disforia com certas partes do corpo e desde que começou a ter esse desconforto, não consegue ter relações amorosas ou sexuais.

A disforia de gênero é o desconforto ou estresse causado pela discrepância entre a identidade de gênero e o gênero atribuído ao nascimento. Ou seja, há partes do corpo dela que ela não gosta e não reconhece, e isso gera sofrimento emocional.

O período de transição pode ser bem difícil, tanto no aspecto biológico, quanto emocional. Sem contar o sentimento de pertencimento social negativo, que se não é percebido com frases e avaliações diretas sobre o corpo em processo (geralmente negativas ou espantadas), advém dos olhares de reprovação. Leva tempo para que a identidade se estabeleça tanto de dentro para fora, como de fora para dentro.

Por outro lado, não vivemos só de preconceito. Sugiro que Fernanda olhe também para a diversidade de corpos e expressões de gênero que estão incorporando setores da moda, da música, da publicidade; presentes na mídia, nos perfis do Instagram; corpos estes que não correspondem ao perfil da mulher ou do homem cis. São pessoas não-binárias, agênero, fluidas, que nos ajudam a romper com o binarismo e ver beleza no que antes parecia incomum. Quanto mais modelos, menos estranhamento.

É preciso ter paciência, coragem e perseverança. Lembro à Fernanda que felizmente muitas pessoas poderão amá-la e reconhecê-la conforme a sua identidade, independente da genitália ou da aparência - tornando esse relacionamento uma grande ferramenta para ampliar o seu lugar seguro.

Pepita falou sobre a vida afetiva das mulheres trans no episódio 68 de Sexoterapia, assista!

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