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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Monique cita 'ritual de sexo' de Jairinho: isso é sinal de relação abusiva?

A pedagoga Monique Medeiros, mãe do menino Henry Borel, descreveu "ritual de sexo violento" com Jairinho - Paulo Carneiro/Photopress/Estadão Conteúdo
A pedagoga Monique Medeiros, mãe do menino Henry Borel, descreveu "ritual de sexo violento" com Jairinho Imagem: Paulo Carneiro/Photopress/Estadão Conteúdo

Colunista de Universa

11/02/2022 09h57

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Essa semana, em depoimento no processo sobre a morte de seu filho Henry Borel, a pedagoga Monique Modeiros disse que as relações sexuais com o ex-vereador Dr. Jairinho, seguiam uma espécie de "ritual", pois aconteciam sempre do mesmo jeito: segundo ela, exclusivamente na cama, com o homem por cima, apertando seu pescoço como em um estrangulamento, enquanto pedia para ela lhe dizer que ele era "o único homem da sua vida, que ela nunca tinha transado com outro homem, que nunca tinha gozado com outro homem...até que ele gozasse."

Se ele não fosse acusado de matar o enteado, e se ela não estivesse dizendo que sofria uma relação abusiva, talvez a gente desse dê ombros ao tipo de fantasia sexual que envolve a suspeita de infidelidade ou interesse por outras pessoas, para além do par.

O que incomoda, na narrativa de Monique, é a obsessão que ela diz o parceiro ter, e o estrangulamento, sinais de que a fixação dele no tema e a raiva que o mobilizava já estava ultrapassando os limites de uma erotização saudável.

Mas triangular a relação é uma fantasia para lá de comum. Imaginar a parceria com outra pessoa é um aditivo que não só envolve competição e ciúme, mas também a projeção de uma parceria desejante, ardente, que ama sexo e gosta de variação sexual, muito distinta daquela que convive com você cotidianamente e que tem que dar conta dos boletos para pagar. É uma maneira de, como diz a escritora e terapeuta de casais Esther Perel, colocar mistério naquilo que é conhecido, alimentar o erotismo com a imaginação de que o jogo não está ganho.

Há também outros componentes, mais relacionados a personalidade do sujeito, que podem estar presentes: a necessidade de se sentir humilhado, a falta de confiança nas pessoas, o fortalecimento do ego quando o outro diz: você é o único, o melhor, o mais gostoso. Há também uma raiva da figura feminina, ou de parte dela, a que quer no imaginário "dar para todo mundo", que ameaça a exclusividade.

Especialmente - não exclusivamente - os homens reproduzem muito essa narrativa durante o sexo, nomeando suas parceiras de cachorras, cadelas, vagabundas e por aí vai. O corretivo: o sexo forte e o gozo, que lhe preenche a fantasia de homem poderoso, com o jorro de seus espermatozoides, a marcar território e combater os possíveis rivais.

Essa relação de poder e submissão, presente nas relações humanas, atravessa o sexo de maneira mais ou menos saudável. A fantasia sexual pode funcionar como esse espaço onde é possível vivenciar esses sentimentos, muitas vezes ambivalentes, e experimentar papéis, de maneira segura, consensual e prazerosa para todos.

Com o movimento feminista e de empoderamento, muitas mulheres se envergonham de ocupar esse lugar, mesmo que as excite, porque ele é contrário à sua luta por emancipação. Mulheres não são objetos sexuais, e o desejo feminino não é uma propriedade masculina, então como explicar gostar ser chamada de vadia?

De novo aqui a lógica não se aplica aos sentidos e nem tudo conseguimos acomodar. Enquanto uma mulher gostar conscientemente da imagem que sua parceria fizer sobre ela para fins de excitação, e tiver prazer com isso, julgamentos são desnecessários nesse campo.

Mas é também possível que a fantasia sexual seja só mais uma manifestação desse sentimento de posse, que certamente esconde uma insegurança fenomenal, e que vai se enredando em outras esferas do relacionamento. É a roupa que a mulher veste, as mensagens que recebe, os(as) amigos(as) que tem, os desejos para além da relação.

Uma pessoa enciumada vive com o fantasma da infidelidade e traz para a relação a sua ambivalência emocional, de ser ou não ser o único objeto de amor, enlouquecendo a parceria. A violência contra a mulher, sabemos, tem a marca do machismo hegemônico e patriarcal e, infelizmente muitas mulheres demoram para se libertar dessa dinâmica, porque aprenderam que o ciúme é manifestação de amor, ou porque perderam a sua identidade, duvidando da sua avaliação racional sobre as coisas. O medo pode ser paralisante. E chegar a esse ponto, sim, é preocupante.