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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Masturbação deveria ser assunto de política pública contra stress no Brasil

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

22/03/2022 04h00

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"Para o mau humor, faça amor consigo mesmo". Esse é o slogan de uma campanha nas redes sociais da Secretaria da Juventude da cidade colombiana Medellín, ilustrada por uma mulher se masturbando.

Eu achei muito interessante, pois coloca a masturbação como uma prática de saúde e bem-estar. Fico imaginando essa campanha no Brasil, o país mais esquizofrênico do mundo em se tratando de sexualidade.

De um lado, nudez, acesso massivo a pornografia, erotismo a rodo, escândalos; do outro lado restrição a educação sexual em escolas, política de abstinência sexual, vídeos pinçados fora do contexto e frases de efeito sendo construídas para fake news, por motivos puramente políticos.

Disponível no perfil oficial do Twitter deles, a postagem que divulga a hashtag #HazteElAmor traz informações sobre os benefícios da masturbação para a saúde mental e emocional, já que o orgasmo libera endorfinas, serotonina e oxitocina - substâncias que podem combater o mau humor.

A campanha está também publicada no blog, onde se encontram referências sobre outros benefícios, como a contribuição para o fortalecimento do sistema imunológico, ajudar a alcançar e sustentar períodos mais longos de sono reparador e também, nos homens, prevenir o aparecimento de doenças como o câncer de próstata.

O texto traz ainda outras reflexões sobre o contexto histórico do autoerotismo, como ele foi proibido em diferentes culturas e como "diferentes sociedades utilizaram o discurso médico para a delimitação moral do sujeito na relação com seu corpo, acolhendo a discussão moral sobre o corpo como objeto de desejo."

No Brasil, certeza que ia virar alvo de revolta e chacota. É uma desafio enorme tratar de temas da sexualidade neste país, com seriedade educativa. O povo ia logo apimentar a questão, criando-se quem sabe um concurso ou mesmo um reality show, com ampla distribuição de generosos prêmios nas categorias "rapidez", "volume", "frequência", "distância" e "tiro ao alvo", além de, claro, durante o Carnaval, "alegorias e adereços", comissão de frente e evolução, "bateria" e "originalidade". Sigo fazendo o meu trabalho por aqui.

A masturbação tem sido positivamente associada ao autoconhecimento, o que favorece maior qualidade nas relações sexuais, quando as pessoas se comunicam e/ou se sentem livres para estimular seus genitais durante uma relação sexual, além de regular o estresse.

Esse olhar como prática de prazer e bem-estar, e não de enfermidade, se deu a partir da modernidade. Estudos etológicos e da psicologia evolutiva demonstraram que ela não é exclusivamente humana, sendo comum em outros mamíferos, principalmente os macacos.

Ao se observar que a masturbação acontece naturalmente durante o desenvolvimento humano, guiada pelo desejo, e desde a mais tenra idade, as pesquisas sobre saúde sexual permitiram traçar a linha entre a masturbação como prática esperada e saudável ou como patologia (compulsão sexual), nesse caso ligada aos transtornos ansiosos ou do impulso, ou a transtornos parafílicos, passíveis de intervenção.

Claro que, em sendo a Colômbia um país considerado "tradicional" em seus usos e costumes, à exceção dos jovens, a campanha gerou uma série de incômodos. Um usuário do Twitter, por exemplo, esbravejou sobre o uso do dinheiro público para publicação de algo tão "banal, havendo coisas mais sérias e úteis para os jovens" (tradução livre). Fiquei pensando se tem coisa mais séria do que isso, principalmente para os que estão iniciando a sua vida sexual.

Afinal, a sexualidade atravessa várias dimensões da pessoa, desde a identidade, o prazer, as relações afetivas e amorosas. Além disso, como a campanha é um indicativo de bem-estar e qualidade de vida, qual seria a diferença dela para a prática dos exercícios físicos, tão fortemente alardeados pelos programas de saúde pública, como benéficos para a saúde física e mental? A prática de exercícios físicos em excesso também pode provocar agravos na saúde - meus joelhos que o digam - mas os riscos são menores que os benefícios, não é mesmo?

Esta política pública, convenhamos, poderia superar o estresse desse país. Seja pelo ódio destilado nas redes sociais, pela carência resultado da desigualdade social, pela violência urbana, pelo acúmulo de trabalho, pelo preço do supermercado, da gasolina, pela transfobia, homofobia, racismo, sexismo e misoginia, pela falta de decoro parlamentar, pela corrupção, pela ignorância, pela dificuldade em se ter acesso a saúde, a educação, a arte e a cultura, pela falta de uma parceria verdadeiramente amorosa.

Só com muita masturbação mesmo, com "estímulos" governamentais - e ainda assim, com tão pouca inspiração nesse quesito.