Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O caso da batata-doce e o que vale sua briga de casal
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De todos os motivos de discussão que um relacionamento pode provocar, sem dúvida nenhuma esse foi o mais emblemático que eu presenciei nos últimos meses. Com a devida permissão dos envolvidos, pessoas que eu prezo, tratarei aqui de seu conflito como exemplo de como certas convicções, por mais bem-intencionadas que sejam, podem cavar um buraco profundo em direção ao inferno na vida de um casal.
Como fisiculturista adepto de uma alimentação baseada em ovos, frango e batata-doce, nosso protagonista acreditava piamente que sua esposa e filho deveriam seguir a mesma dieta. Para piorar, por atualmente manter a casa financeiramente, sua crença sobre o que poderia ou não ser comprado pela mulher foi elevada a potência máxima, ao ponto de reclamar caso ela comprasse granola no lugar de aveia, a segunda mais saudável segundo seus padrões alimentares. T
Todas as brigas do casal giravam em torno disso, e a batata doce tornou-se a maior motivadora de discussões. Sentindo-se aprisionada por aquele saco que carregava sozinha quando vinha do supermercado, a mulher se rebelou, resolveu dar um basta e pedir ajuda!
Começou a fazer greve de sexo, como retaliação, pois no final das contas achava que o companheiro gostava mais da batata-doce, do que dela. No fundo, no fundo, o julgamento dela era que ele era auto centrado, e que se pudesse "se comia" - com a batata mesmo.
Eu gostaria de deixar claro que ela também não é o que se pode vulgarmente chamar de "pessoa fácil", mas pesava sobre ele a cara de mau, o que lhe conferia, preconceituosamente, pouca credibilidade com a fonte emocional de um conflito conjugal. Era mais fácil ser sensível às queixas dela, do que as dele, mas eu não cedi a esse engodo.
No balaio da história e do queixume dos dois, comer ou não batata-doce era mais do que ter uma vida saudável ou fazer valer os próprios interesses individuais. Dizia respeito a ser amado ou não.
Para ela, ser respeitada em suas diferenças, naquilo que ele não entendia ou concordava, era sua maior necessidade, uma maneira de ter sua autonomia preservada, de recobrar sua identidade e tomar decisões por si mesma; ele, por sua vez, queria ser reconhecido, o quanto estava comprometido com uma vida regrada, voltada ao trabalho, ao esporte, a esposa, filho e vida familiar.
Agora que se tornara um homem responsável e sério, constante e disciplinado, recusar suas propostas era como tirar dele a sua melhor intenção, aquilo com que ela teria sonhado anos antes, quando ele era bem diferente. Soava quase como traição. Ela pede liberdade, ele comunhão. Ao trocarem de papéis, elegeram a tal batata-doce como representante de um amor em transformação.
É possível que você também se sinta frustrado com algumas atitudes de sua parceria, afinal relação implica em compromisso e vontades individuais tem que ser constantemente negociadas.
A sensação é a de que estamos sendo limitados pelo outro, o que não é confortável para quem tem a independência como bandeira. Mas antes de entabular uma discussão e eleger uma situação específica como seu principal queixume, avalie o que está por trás.
Às vezes o fato de ter de abrir mão de algo é o que pesa; noutras uma sensação de injustiça e desequilíbrio, de que você é mais flexível do que o outro, quem sabe a ideia de que a outra pessoa não reconhece seus esforços, entre outras tantas possibilidades. Quanto mais alimentamos as ações dos outros com ideias raivosas, mais difícil fica dar de ombros, ceder ou ser assertivo em sua opinião.
Não foi fácil descascar o tubérculo e desterrar suas raízes, mas foi um processo lindo. Pois seres humanos imperfeitos e egoístas que somos, tendemos a pedir rapidamente substituição e exigimos que as trocas sejam recompensadas sem dar ao outro tempo de adaptação. Pois sabemos que o amor deve ser um sentimento convertido em ação, mas nem sempre é fácil amar do jeito inverso a que se está acostumado. Exige tempo e dedicação.
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