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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pandemia adiantou puberdade das meninas - e como devemos lidar com isso?

Galina Zhigalova/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Galina Zhigalova/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

07/06/2022 04h00

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Além da covid-19 e de todas as tristes mortes, outro sintoma que a pandemia de coronavírus deixou é o adiantamento da puberdade. Seja pelo estresse emocional causado pelo distanciamento ou pela falta de exercícios físicos, o fato é que o excesso de gordura corporal é um dos fatores que levam a puberdade precoce.

Hoje, uma série de garotas com média de 11,7 anos estão menstruando e nem sempre é possível reverter o quadro, pois muitas só foram diagnosticadas após o relaxamento do isolamento.

Eu não me lembro exatamente, mas acho que a minha primeira menstruação aconteceu entre meus 13-14 anos, 40 anos atrás. Antes do sangue vermelho escorrer vagina abaixo e manchar o lençol, os avisos, aquelas machinhas que lembram uma borra de café, já tinham deixado suas marcas meses antes em umas calcinhas, que eu fiz questão de esconder dentro do armário.

Vergonha do que estava acontecendo nos "países baixos" - talvez uma doença, algo que eu tenha feito errado, resultado de alguma esfregação gostosa feita em segredo? Eu não tinha noção nenhuma dos sinais, e claro, como algumas calcinhas sumiram da gaveta, minha mãe as achou.

Depois foi encarar os absorventes externos, acostumar com as cólicas, evitar que a roupa deixasse vestígios. E, muito embora meu pai tenha me dado 500 cruzeiros porque eu fiquei "mocinha", o que eu achei simpático - foi a maneira que ele soube fazer para comemorar - eu não posso dizer que tinha orgulho, nem que achava o máximo menstruar.

O sangue é um elemento fundamental da vida, que está presente do nascimento à morte. Tornou-se elemento vitalizante e sagrado, fazendo parte de rituais para celebrar o relacionamento com deuses e espíritos.

Na pré-história o sangue menstrual aparece como mágico e místico. As mulheres, e somente elas, eram possuidoras de algo que fluía espontaneamente durante alguns dias e, inexplicavelmente não as deixava fracas, não era doloroso e muito menos mortal.

Um fenômeno incompreensível e inexplicável - que gerava algum temor e, portanto, foi incorporada ao terreno da 'magia, feitiçaria e alquimia'. A mulher, através da história, com seu sangramento mensal, assumiu papéis os mais diversos: vidente, conselheira, bruxa, feiticeira. Mas esse sentido original do poder mágico e misterioso do sangue menstrual foi se modificando e se tornou impuro e que deve ser mantido em sigilo.

Para se ter uma ideia, na antiguidade, o sangue menstrual passou a ser encarado como venenoso. Plínio, "o velho" (79 d.C.) em seu tratado de história natural, dizia que a presença de uma mulher menstruada levaria o vinho novo a azedar, as sementes a se tornarem estéreis.

Os frutos a caírem das árvores, as plantas do jardim murcharem. "O fluido menstrual pode embotar uma lâmina de aço, matar um enxame de abelhas, enferrujar instantaneamente o ferro e o latão pelo odor ofensivo, e tornarem os cães loucos, caso provassem do mesmo, tornando também sua mordida venenosa e incurável."

Em várias culturas as mulheres menstruadas ficavam isoladas, não podiam ser tocadas, ou eram proibidas de trabalhar. No século XVIII o Bristish Medical Journal publica: "É indubitável que a carne se corrompe quando tocada pela mulher no período das regras", baseado em 2 casos de presuntos que estragaram, quando em contato com mulheres menstruadas.

A naturalização da menstruação é recente, mas ainda está longe de desmistificar tabus e crenças tão enraizadas. Muitas mulheres evitam praticar sexo durante essa fase do seu ciclo, por puro constrangimento.

Em tese, a relação sexual durante a menstruação não provoca nenhum mal à saúde, desde que seja realizada com preservativo, a fim de evitar contaminação de algumas ISTs.

Se para mulheres jovens e adultas já é difícil desmistificar o sangue menstrual, imaginem só, esse "peso demoníaco" recair sobre meninas de 11 anos.

Dependendo da avaliação hormonal e da idade óssea, às vezes não é possível mais pausar e retardar o processo.
Se faz urgente uma educação sexual que prepare nossas crianças para as mudanças que virão com a puberdade.

Mais do que isso, é necessário que a menstruação seja encarada só como parte do ciclo, e não como um período cheio de problemas, que o óvulo não "explode" no útero, que pode comer manga, tomar leite, lavar os cabelos, andar descalça e fazer bolo, que ele não vai 'solar' só porque você tem sangue entre as pernas.

Muitas mudanças acontecerão, como o despertar do amor, a necessidade de aceitação do grupo, a preocupação com os padrões estéticos, o desinteresse pelas tarefas da escola. Transformar esse período já sensível em algo tenebroso e amedrontador, não ajudará em nada.