Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Recuperando o fogo: como superar a falta de libido após maternidade?
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Quando a Melissa chegou ao consultório, ela estava muito vulnerável. Não demorou 5 minutos para começar a chorar. Melissa tinha ido ao consultório, incentivada pelo marido, para falar da sua falta de desejo - o dever ocupando o espaço do prazer.
A maternagem se espalhando por todos os seus poros. Aos 35 anos, 8 de casamento e 1 de maternidade, Melissa é o protótipo da mulher atual, que equilibra vários pratinhos - a casa - o trabalho - a filha - o casamento - a família.
Para piorar o cenário, trabalha em uma empresa de produtos de beleza e é impulsionada diariamente a cuidar de si mesma. Motivação zero. A cabeça sempre pensando na filha, o que será dessa criança criada pela avó? Sentia um alívio por ter voltado a trabalhar, quase um - graças a Deus! - para tudo se converter em culpa minutos depois.
Imaginava o dia em que a filha ia esquecer seu nome, não desejar voltar para casa ou se transformar em uma pequena terrorista infantil, fazendo todo tipo de manha e crueldade.
Para piorar, a vontade de fazer sexo com o marido não era uma mísera fagulha, embora ela fosse do grupo altamente privilegiado: tinha rede de apoio, apartamento grande, serviços de saúde, estética e beleza à disposição, babá folguista para as noites de lazer, grupos de amigos na mesma fase do ciclo vital. Tinha marido disposto e bem-intencionado, construindo seu papel de pai de maneira tão oportuna, ativa, responsável e afetiva que ele "até parece a mãe" - me disse ela com um misto de admiração e pavor.
Foi discorrendo sobre o quanto ele era ligado a filha e não lhe cobrava mais do que a dedicação que ela era capaz de doar. Claro que ele estava queixoso em relação a falta de sexo - na verdade sentia falta mesmo do interesse que ela demonstrava sobre ele, seu corpo, suas ideias, suas atitudes, a capacidade de envolvê-la e proporcionar prazer, mas ele compreende que ter um filho é um grande impacto na intimidade de um casal.
Embora reconhecesse todos os benefícios que tinha ao entorno, nada disso ressoava nela, só o desejo de afundar a cabeça no travesseiro e simplesmente sonhar que estava na Disney - fingindo que o mundo é lindo - abraçada com a Ariel, segurando com um dos braços o seu rabo de sereia - a prioridade absoluta para manutenção da sua saúde mental.
Tivemos algumas sessões tentando compreender a figura da Ariel nessa história toda e chegamos à conclusão que para galgar o lugar da maternidade ideal, ela sentia que precisava negar a sua identidade e assim como a princesa, trocar a calda de sereia por pernas 'de verdade' e emudecer - um preço alto demais a pagar.
Aos poucos fomos descortinando suas crenças sobre maternidade, sexo e casamento e aliviando a carga. Ela mais se atrapalhava com a culpa por "ter tudo" - e ainda sentir um vazio esquisito - do que reconhecia que era necessário ter paciência para acomodar a mudança de papéis na relação.
Às vezes, achava que o marido era melhor "mãe" que ela e ainda por cima uma mãe que queria transar. Tipo aquelas amigas que são boas em tudo, que quando você conta uma dificuldade fazem questão de esfregar na cara como já deram a volta por cima. Impossível dar conta disso, não é mesmo?
Esse senso de perda de si mesma é muito comum na maternidade. O tal amor "incondicional" pelo bebê nem sempre aparece logo no início e isso é sentido como se algo estivesse muito errado. Desejar mais do que fraldas e chupetas pode ser interpretado como egoísmo, como se a mulher precisasse fazer uma lobotomia para fazer o apagamento de toda a vida anterior.
O interessante, no caso dela, é que embora não fosse cobrada pela exclusividade do papel materno - impingia a si mesma a punição maligna de sua condição de - na sua concepção - leviandade extrema. Era ela a terrorista cruel e perversa, que apesar de tudo o que a vida lhe dava, seguia tristonha e "frigida" - como costumava me dizer.
Não que não tivesse desejo, mas ter desejo porque esse era o desejo de outra pessoa - ela não podia aceitar. Tava muito confusa mesmo. Ariel virou símbolo da nossa luta. Como podia ter recusado parte de si mesma para adequar-se a um papel? Merecia ser vingada - afinal a coitada não tinha consciência nenhuma do feminismo.
Pois um dia, cheia de uma raiva ancestral - Melissa deixou a filha na casa da avó e sem dó e nem piedade, foi para o cabeleireiro. Chegou em casa ruiva-fogo, colocou um vestido colado no corpo e foi buscar o marido no trabalho. Dentro da cadeirinha da bebê, uma maleta cheia de sex toys, lubrificantes, chicote, algema e tudo o mais que tinha guardado no armário há anos. Mandou o marido ficar quieto, entrou em um motel e mostrou do que Ariel é capaz.
Juro que não foi ideia minha - achei arriscado - mas funcionou. Saíram refastelados de sexo, em direção a casa da avó, a buscar a filha que, ao vê-la, abriu os bracinhos e a chamou de mamãe - ao menos não pulou correndo para o colo do pai.
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