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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ter iniciação sexual precoce está associada a função sexual mais saudável

Westend61/Via Getty Images
Imagem: Westend61/Via Getty Images

Colunista de Universa

20/08/2022 04h00

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Sim, é isso que você leu. Contrapondo os muitos estudos que associam resultados adversos à precocidade sexual, pesquisadores da Universidade de Toronto se perguntaram se as experiências sexuais precoces poderiam também estar associadas a uma função sexual mais saudável.

Mas atenção: aqui estamos falando de se ampliar o conceito de iniciação sexual e envolver experiências que eles chamam de pré-coitais - ou seja, mão naquilo, aquilo na mão, sexo oral e por aí vai. 93% dos participantes indicaram que tiveram alguma experiência sexual dessa natureza antes de terem relação sexual com penetração.

A amostra do estudo foi bastante significativa: coletou-se dados da iniciação sexual de 3.139 adultos, que consistiam em saber quando tiveram o primeiro contato sexual, quando foi a primeira estimulação sexual, relação sexual, e o primeiro orgasmo.

Investigou-se através da aplicação de questionários que avaliam função sexual, se os pesquisados - nas últimas quatro semanas - haviam tido alguma dificuldade em sua resposta sexual: desejo, excitação, orgasmo e o quanto sentiam satisfação sexual de modo geral. Também foram reunidos dados sobre eventos sexuais adversos, como ISTs, lesões que afetassem a atividade sexual, interrupção e/ou perda de gravidez e sexo não consentido.

"Aqueles com início sexual mais cedo tiveram menos dificuldades sexuais em muitos desses domínios e, portanto, função sexual mais saudável", disse Diana Peragine, uma das responsáveis pelo estudo. Isso incluiu menos dor durante a penetração vaginal, melhor funcionamento do orgasmo e menor inibição sexual.

Masturbação e orgasmo não foram relacionados a resultados adversos, mas sim com menos dificuldades em relação ao desejo e maior excitação sexual. O sexo não consentido foi a experiência mais relacionada com efeitos negativos sobre a função sexual.

Quando o corpo biológico acumula tensão sexual, práticas como a masturbação, por exemplo, servem não só para o autoconhecimento, mas também para a satisfação do ímpeto do desejo voltado a outras pessoas, quando a relação sexual genital ainda é insegura e arriscada.

Esses dados sugerem que faz parte da natureza humana a busca pelo prazer sexual. Quando políticas de abstinência são orientadas aos jovens, incluindo a proibição da autoestimulação ou da estimulação genital mútua - não se oferece nenhuma saída alternativa, nem estratégias de gestão de risco e promoção de saúde.

É tudo ou nada. Ou o sexo será o caminho para a desgraça - gravidez, ISTs, ou ele deve ser contido a qualquer preço, como prova de 'força moral'.

É complicado definir "precoce", pois pode significar "antes do casamento", antes da idade certa para capacidade de consentir de maneira consciente, antes do desenvolvimento biológico completo para a 'prontidão sexual'. Alguns parâmetros são mais claros: crianças e púberes não devem fazer sexo genital com ninguém, haja vista a imaturidade física e emocional.

Atualmente, no campo da educação sexual laica, além de informação de qualidade, tem sido o caminho promover as reflexões sobre o que envolve consciência para consentimento.

Em relação a adolescência, de fato alguns adolescentes não têm capacidade para uma avaliação ampla sobre o consentimento, pois várias questões são implicadas, como o machismo, por exemplo, que submete a sexualidade feminina ao desejo masculino. Seria consentir, fazer sexo esperando amor em troca, um clássico da desigualdade de gênero e do ideal romantizado tão forte nessa faixa etária?

Os entrevistados canadenses tiveram a sua iniciação sexual coital na média dos 17 anos - no Brasil ela é um pouco menor, aos 16 - mas não consegui acesso aos dados etários de experiências pré-coitais.

Assim como ocorre em nosso país, as canadenses tiveram as experiências sexuais mais tardiamente em relação aos homens - o que faz pensar, diante dos resultados da pesquisa e de outras que avaliam função sexual, que esse atraso pode ser refletido nas taxas mais altas de transtornos de desejo/interesse sexual e de orgasmo em mulheres, em comparação com os homens.

A pesquisa não investigou os motivos que levaram as pessoas a retardarem a sua iniciação sexual - tomando pela perspectiva biológica do impulso que começa lá na puberdade, em torno dos 11/12 anos - e eu suponho que problemas com a autoestima, timidez excessiva, transtornos de humor e repressão sexual familiar/religiosa sejam os principais. Negar a dimensão do prazer como fonte de bem-estar é uma estratégia burra e, como se vê, nefasta.

Só uma educação sexual que aborde o prazer, a autonomia e a consciência podem funcionar efetivamente na promoção da saúde sexual, de maneira a também prevenir os efeitos deletérios da sexualidade.

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