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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

App de namoro para pessoas de esquerda: ideais parecidos facilitam relação?

Getty Images
Imagem: Getty Images

Colunista de Universa

23/08/2022 04h00

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Se você flerta com os ideais políticos da esquerda e não suporta qualquer menção sobre o atual governo federal nas conversas com seus matchs, talvez o novo app de relacionamento Lefty seja feito para você.

O diferencial do Lefty é justamente a comunidade de usuários: tem posicionamento político semelhante e valores éticos muito parecidos. O objetivo do app, segundo o release é: "Facilitar encontros e relacionamentos entre pessoas que possuem ideias e valores semelhantes, como o respeito à diversidade de identidade de gênero, raça e religião, o interesse pelas diferentes expressões de arte e cultura, a defesa da natureza e do desenvolvimento sustentável, a busca do bem-estar social e dos direitos humanos."

Claro que se dizer "de esquerda" não garante isenção de comportamentos machistas, sexistas, transfóbicos e homofóbicos, pois sabemos o quanto estão enraizados na sociedade - ainda mais em se tratando de pessoas no topo da categorização de privilégios heteronormativos -, mas ao menos aponta para uma forma de pensamento mais, digamos, inclusiva.

Também não estou afirmando que todas as pessoas que empatizam com os valores da "direita" sejam preconceituosas e inflexíveis, mas alguns valores considerados tradicionais defendem a manutenção de desigualdades sociais históricas e conduzem ao retrocesso.

A busca por pessoas que compartilham pensamentos similares tem sido apontada como uma nova "tendência" para o mercado de apps. O Veggly, por exemplo, é o maior app para veganos e vegetarianos; o Feeld aposta nos que curtem sexo com mais de uma pessoa; o refrigerdating promete unir pessoas baseadas no conteúdo de suas geladeiras.

A similaridade nos gostos e pensamentos pode ser tão levada a sério, que alguns apostam na força do ódio: o Hater se propõe a unir casais que odeiam as mesmas coisas, disponibilizando uma lista com tópicos que o usuário precisa dizer se gosta ou não - desde celebridades, políticos e situações cotidianas como, por exemplo, dias ensolarados. O algoritmo faz o trabalho de sugerir os pretendentes que compartilham dos mesmos desgostos que você.

Verdade seja dita, a busca por convívio com pessoas que partilham de valores semelhantes não é novidade. Desde que o mundo é mundo, as pessoas buscam pertencimento e se acomodam ao lado dos parecidos. A fofoca, por exemplo, é um mecanismo antigo para reconhecer os 'inimigos' e separar grupos com comportamentos diferentes.

As falsas narrativas sobre alguém ou um grupo são construídas com base no princípio do julgamento moral: se fulano disse isso ou aquilo, na comparação com determinados valores ou crenças, não será considerado uma "boa pessoa". A disseminação destas narrativas aprofunda o distanciamento social e esgarça o coletivo, porque opera para despertar a resistência do humano ao que se mostra diferente.

Sendo assim, há também que se pensar que a necessidade de compartilhar das mesmas ideias e valores, com todos ao seu redor, pode fomentar a intolerância e estreitar ainda mais a nossa capacidade de escutar e perceber o outro. Pois também é o diferente que nos impulsiona a fazer questionamentos, ampliar o diálogo e aprender com novas experiências.

Quando se busca só reforçar as próprias convicções, o espelhamento que o par amoroso faz, aparentemente, não apresenta sombras, nem distorções - e ninguém se desenvolve mirando só a imagem bonita que acredita ter de si mesmo.

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