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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sim, assexuais se masturbam, e isso não é tão difícil de entender

Dean Mitchell/iStock
Imagem: Dean Mitchell/iStock

Colunista de Universa

03/09/2022 04h00

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A assexualidade se caracteriza pela vivência de uma sexualidade e/ou afetividade, diferente de boa parte das pessoas, no que se refere a atração sexual. É uma construção identitária a partir do reconhecimento das atrações, que se caracteriza por um espectro amplo: há quem não se atraia sexualmente por outras pessoas, outros só quando há conexão afetiva, há quem tenha atração emocional, mas não sexual, dentre outras variações

Quer dizer que assexuais nunca fazem sexo? Carecem de libido? Eu sei que dá um nó na cabeça às vezes, mas isso acontece porque temos um modelo de 'sexualidade' extremamente focado na relação sexual penetrativa. Além disso vivemos em uma sociedade que valoriza sobremaneira o sexo e, atualmente, de todos os modos e expressões possíveis.

Vai você dizer que prefere um bolo de chocolate a fazer sexo com alguém. Ou que mesmo gostando bastante, não tem orgasmos múltiplos, não acha graça em participar de swing, ou que não sente necessidade de comprar um vibrador.

Vai você dizer que acha a monogamia a melhor forma de viver um relacionamento. Diga que não é bissexual e que não consegue só 'gostar de pessoas', que seu desejo tem formato de gênero bem definido.

As pessoas mais seguras sobre diversidade sexual lhe responderão que se você está feliz assim, ótimo! Mas há uma porção de gente que certamente torcerá o nariz para você, olhando com certa desconfiança.

Esse desconforto sentido pela "inadequação" precisa ser combatido, já que questionar a norma, ou o que se entende por 'naturalidade' da sexualidade é muito importante, mas também não podemos fazer um movimento contrário, descaracterizando expressões sexuais mais tradicionais, como se elas fossem fruto exclusivamente de normativas sociais. Nesse sentido, cabe buscar compreender o diferente e não julgar.

Não fazer sexo com outras pessoas, já foi na história, um valor a ser atingido, como prova de força moral. Uma resistência à corrupção da alma pela entrega à tentação da carne. Mas nesses casos, abstinentes deveriam lutar contra seu ímpeto natural para fortalecer o espírito. Assexuais simplesmente não necessitam dessa força "contrária" e a sua orientação sexual não tem relação com questões filosóficas ou religiosas.

Mas como então explicar que muitos deles se masturbam? Uma pesquisa realizada com 351 indivíduos assexuais revelou que quase 50% das mulheres e se 75% dos homens masturbam e tem fantasias sexuais. Recordemos que a atividade masturbatória muitas vezes começa na infância.

Crianças pequenas não têm fantasias eróticas e gostam de estimular seus genitais, pelo simples fato de que é gostoso. Só a partir da puberdade, é que a masturbação ganha contornos conscientes de redução de tensão sexual e de imaginação erótica. O ímpeto de atração por outras pessoas e o desejo de ter intimidade afetiva e/ou sexual vai se manifestando - ou não - como no caso de pessoas assexuais.

Descarregar tensão sexual na atividade masturbatória é um aprendizado anterior à puberdade. Faz parte da sexualidade, uma expressão de autonomia. Talvez algumas pessoas estranhem o fato de assexuais praticarem masturbação porque talvez seu autoerotismo esteja muito vinculado às suas parcerias sexuais - então pode soar bem estranho alguém que não tem atração sexual por outras pessoas se utilizar do autoerotismo.

Mas é só pensar nas tantas outras pessoas que o fazem assistindo cenas eróticas que excitam, só para apaziguar o corpo e ter uma dose de prazer, sem nenhuma intenção relacional. Fantasia e a expressão dos desejos não seguem padrões sociais, daí mais uma vez, a ideia de diversidade e práticas sexuais são afirmadas por esta pluralidade e não por algo determinado.

É tudo um processo de identidade e reconhecimento. Como eu disse no episódio do Sexoterapia dessa semana: muito embora estejamos desconstruindo essas normatividades, também precisamos acolher a dificuldade de quem está do outro lado. Não é simples assim. O desejo e as identidades não devem ser encarcerados, mas isso serve para todes.

Nem hétero, nem homo: entenda a fluidez sexual | Sexoterapia #82