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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como a nova geração de meninos quebra padrões de masculinidade tóxica

Valeriy_G/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Valeriy_G/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

15/10/2022 04h00

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Semana passada, um adolescente de 13 anos reagiu ao assédio sexual de um influenciador digital que, dentro do banheiro de um shopping no Rio de Janeiro, tentou tocar os seus genitais. O jovem chamou os seguranças e o homem foi preso em flagrante.

Mês passado, outro adolescente, esse de 14 anos, foi agredido por um adulto que, incomodado com o barulho feito no corredor do hotel, encontrou os jovens que brincavam e riam no corredor (adolescentes sendo adolescentes) e, covardemente, partiu para a violência. Em ambos os casos, os agressores não esperavam que os adolescentes os denunciassem. O que se observa, de um lado, são homens que cresceram achando que a masculinidade que lhes cabe é essa que tudo pode, cria as próprias leis, é dona de todos os corpos, sai "na porrada" diante de conflitos, incômodos e frustrações.

Homens que, do alto de sua condição privilegiada numa cultura machista, creem que os embates entre homens devem ser resolvidos assim, sem nenhuma contenção, e que as consequências emocionais precisam ser silenciadas a todo custo. Homens adultos que acreditam que mulheres, crianças e adolescentes são um instrumento potencial para lhes proporcionar prazer - seja o sexual, seja o atestado da sua supremacia obtida pela violência.

Do outro lado, vemos uma nova geração de adolescentes que conseguem reconhecer a sua vulnerabilidade, distinguir a assimetria de poderes, sem se paralisar com o medo de serem chamados de 'maricas' pelos colegas ao recorrerem a quem de direito para que os protejam.

Muito embora no Brasil haja uma força maligna da masculinidade hegemônica que insiste em chamar tudo de mimimi, tais atitudes sinalizam que algumas coisas estão mudando.

Pouco falamos do assédio e do abuso sexual contra meninos e adolescentes, como se fosse algo mais vergonhoso do que aquele que acontece contra mulheres. Pesquisas nesse campo são escassas, porque é uma ferida aberta. Os homens dificilmente denunciam, pois têm medo de serem encarados como menos viris ou mais fracos por não terem a capacidade de gerenciar sozinhos a situação.

Durante esses meus 30 anos de trabalho, a revelação do assédio e do abuso sexual na história sexual de homens adultos veio lançar luz a uma infinidade de sintomas: Pedro, com ejaculação retardada; João, com ejaculação precoce; Marcelo, com disfunção erétil; Rogério, com fobia social; Marcos, com uma inconformidade raivosa com a vida; Ricardo, que só consegue desejar meninos; Júlio, que odeia mulheres; Fernando, que tem transtorno depressivo; Bruno, que não consegue confiar em ninguém; Cesar, o torcedor fanático que usa como catarse a violência no estádio de futebol.

A raiva - emoção primitiva mais identificada nesses casos pela violência sofrida e falta de acolhimento pela dor vivenciada - vai contaminando o aparelho psíquico, criando defesas, confundindo emoções e encontrando, também na violência, a única maneira de se manifestar.

Já não é sem tempo que a educação para uma cultura de paz seja estabelecida, também nesse campo. Somos todos responsáveis por proteger, não apenas os mais vulneráveis, mas também por nos protegermos uns aos outros.

O difícil tem sido esclarecer que o discurso violento, diante de qualquer conflito e frustração, revela o quanto precisamos crescer em humanidade. No entanto, isso não é possível sem uma educação que priorize a qualidade das relações, qualidade esta pautada sobre valores que tornam os humanos mais humanos, tais como equidade, justiça, respeito e ternura.

Que meninos e jovens sigam o exemplo desses adolescentes, que não silenciaram diante da violência a que, infelizmente, foram expostos.