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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Recasar' é para quem tem coragem: por que é importante celebrar a relação

casal casamento noiva e noiva - Getty Images/iStockphoto
casal casamento noiva e noiva Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

25/10/2022 04h00

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Recentemente, fui convidada para celebrar, junto a amigos e familiares, o recasamento de um casal que acompanhei em terapia. Como eles têm um compromisso ideológico com a desconstrução de normativas sociais rígidas, foi um tanto interessante quando, no discurso, citaram um conceito da terapia de casal, na voz de Ester Perel: em média, as pessoas se casam três vezes na vida, e pode acontecer de ser com a mesma pessoa.

Casamento é uma palavra que eles sempre recusaram, pois carrega a ideia de uma instituição mediada pela posse, propriedade, assimetria de gênero e a fantasiosa permanência de desejos e sentimentos. Mas aprenderam também, durante o processo terapêutico, que, embora as palavras carreguem significados repletos de padrões culturais, elas sempre podem ser ressignificadas, assim como acontece com o próprio compromisso de amor.

Se casar é para os fortes, recasar é para quem tem coragem.

É lançar-se ao novo de maneira diferente. Quando estamos movidos pela paixão, há um forte componente bioquímico que nos impulsiona ao outro, que nos inunda de prazer, a promessa suprema —e idealizada— da felicidade. Dizem alguns que, na verdade nos apaixonamos por nós mesmos, já que o fenômeno tem um forte componente narcísico, pois o outro nos espelha um eu maravilhado.

Mas isso também pode nos assustar, principalmente quando já temos uma certa vivência e sabemos, de antemão, que esse estado idílico tem prazo de validade, e a frustração aparecerá. E ela será de ambos os lados, ou seja, o outro, ao nos ver como somos de fato e por inteiro, também se decepcionará.

Para quem não está se amando muito, esse enfrentamento com a própria autoestima pode ser desestruturante. Há quem não se permita a experiência concreta e mantenha a fantasia de que há alguém e uma relação que um dia será possível e incrível, criando um refúgio imaginário, que serve para sustentar as inevitáveis dores da vida e da alma, evitando a aceitação da própria miséria emocional. Alguém, do outro lado, me manterá também idealizado.

Quando somos 'casados' e vivemos uma crise, a decepção já aconteceu. Tem raiva, ressentimento, tristeza, dúvida. Tem um eu ameaçado pelo apontamento do outro, tem um outro desvelado negativamente pelo eu. Escolher continuar amando o(a) parceiro(a) é ter a capacidade de emocionar-se e aceitar a sua alma desnuda, encontrar um caminho possível de aceitação, ao mesmo tempo em que se perceba a reciprocidade desse processo. Muitas vezes, os casais conseguem fazer esse processo empático e amoroso, mas não encontram alegria suficiente para celebrar o novo, naquilo que já é também conhecido.

Escolher o recasamento é fazer as pazes consigo mesmo, encontrar a cura para as próprias feridas emocionais. É um trabalho triplo: com o eu, com o outro e com a relação. É reconhecer que pensar sobre os dilemas, racionalizá-los e fazer novos contratos é importante, mas que há uma força maior que emociona, que une e que, muitas vezes, não se explica. Parece que por aí a chamam de amor.

Fiquei feliz e sensibilizada em participar do recasamento desse casal lindo, jovem e esperançoso. Mas o marcante também foi receber os 'parabéns' de seus familiares. O simpático pai dela, com os olhos marejados, que veio profundamente agradecido, muito feliz em me conhecer. Pouco depois fiquei sabendo que era com o carro dele, emprestado, que iam ao consultório.

A mãe dele, a simpática engenheira que analisou a maneira certa de me agradecer, estruturando um raciocínio lógico: eu não sei qual foi exatamente a porção de sua participação nisso, mas o fato é que meu filho está feliz. Depois, me contou toda a jornada da sua maternidade, o que me fez compartilhar a minha, para nos reconhecermos na maravilhosidade da nossa capacidade de procriar e amar nossas crias.

Gostei muito deles e desse momento, até porque encontrei, ali, as pessoas por trás da narrativa conflitiva e geracional da comunicação de um casal: a filha que herdou a expressão de tudo (e sempre) de maneira intensa e emocionada, o filho que reconhece e elabora emoções de forma mais silenciosa e racional. Legitimar essa diferença foi fundamental para que eles se encontrassem de verdade.

Quando um casal celebra sua relação, reverbera esperança no investimento do que realmente vale a pena na vida. Saí de lá com o coração quentinho: por ser terapeuta, por ser mãe, por acreditar no amor. Nesse amor que, afetado pelo outro, nos transforma e encontra alegria para além daquilo que também nos dói.