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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que você verá em um passeio pelo Museu Pedagógico do Sexo, em Lisboa

Mulher visita a exposição  Amor Veneris - Viagem ao Prazer Sexual Feminino - Reprodução/Instagram
Mulher visita a exposição Amor Veneris - Viagem ao Prazer Sexual Feminino Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista de Universa

19/11/2022 04h00

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Em Lisboa, um antigo sobradinho restaurado batizado de Palácio Anjos abriga o Museu Pedagógico do Sexo (Musex), uma iniciativa da sexóloga Marta Crawford que, desde 2010, com o apoio da câmara municipal de Oeiras (sede do município de Oeiras situado no distrito e área metropolitana de Lisboa), oferece palestras, workshops, bate-papos e exposições, com o objetivo de "promover conhecimento e reflexão sobre a temática da sexualidade, com base em uma perspectiva pedagógica através de expressões artísticas e conteúdos científicos".

Atualmente, o Musex está com a exposição Amor Veneris - termo utilizado pelo anatomista Matteo Realdo Colombo, em 1579, para se referir ao clitóris. A ideia da mostra é focar no prazer sexual feminino.

Logo na entrada você escolhe começar a visitação pelo caminho "com consentimento" ou "sem consentimento", uma opção que fará toda a diferença no que verá de início.

É um alerta sobre como o prazer sexual da mulher tem íntima relação com a capacidade de consentir, desde que se tenha consciência sobre vários aspectos da sexualidade feminina e como ela é atravessada pela desigualdade de gênero.

Fica muito dificil uma mulher se proteger da violência e da objetificação, caso não conheça seu corpo, não tenha permissão para o prazer e não seja guiada por ideias machistas, sexistas e misóginas sobre a sua existência.

Como era de se esperar, o núcleo sem consentimento abriga uma coletânea de artes que retratam a violência sexual contra meninas e mulheres, o tráfico sexual e a escravidão sexual em situações de guerra.

Um quadro em particular me chamou a atenção por reproduzir a violência obstétrica. Em uma pequena antesala, um vídeo desfocado nos leva a imaginar uma mulher nua, de pernas abertas, em situação de vulnerabilidade extrema, diante do que parece ser uma mutilação genital. É chocante, é incômodo, é horroroso e é impossível não derramar lágrimas.

O núcleo com consentimento tem 3 partes: o cérebro, a pele e o clitóris.

São várias obras, como esculturas, bordados, pinturas, inclusive os painéis do icônico mural de vaginas de Jamie McCartner - a primeira grande exposição de vulvas feitas a partir de moldes de gesso de centenas de voluntárias, revelando a diversidade de tamanhos e formatos.

Algumas instalações são experiências sensoriais, como no caso da mesa com vários buracos para enfiar a mão e sentir o que há dentro, ou dos aromas elaborados por uma perfumista pensando em personalidades femininas conhecidas por sua potência erótica, como Cleópatra e Josefina, a mulher de Napoleão.

Também há trabalhos audiovisuais, como vídeos informativos, palestras sobre prazer sexual, rodas de conversa. Erika Lust, dona da Lust Filmes - que produz uma pornografia feminista, ética e alternativa - disponibilizou alguns deles. Quando visitei, olhei pelo buraquinho e assisti a cena de um homem de mais de 60 anos, fazendo sexo oral em uma mulher, da mesma idade, que se contorcia de prazer de maneira muito sensual.

O segundo andar é todo dedicado ao clitóris. Uma sala divertida e decorada com um papel de parede com muitos deles coloridos, destaca frases de prazer em neon. Um enorme clitóris vermelho é porta de entrada para o visitante ter a experiência de perceber como acontece o entumescimento genital durante a excitação sexual feminina até o orgasmo.

Nenhum pênis está presente em qualquer ponto da exposição, o que desvincula o coito e o corpo masculino do prazer sexual da mulher. Me parece que o objetivo é justamente, fomentar a autonomia feminina, inclusive para desfrutar do sexo com pessoas com pênis, mas só se assim desejarem.

Visitei a exposição em um domingo - 95% das pessoas eram mulheres, de idade entre 25 - 55 anos. Os 5% restantes eram de homens que acompanhavam as suas parceiras/amigas, o que nos faz pensar em um certo desinteresse masculino em participar de eventos que revelem a sexualidade feminina nesses termos.

O Museu Pedagógico do Sexo mostra como é possível, mesmo em países predominantemente machistas - como Portugal - fazer ações em educação em sexualidade e tratar do tema com a importância devida.

Embora no Brasil, principalmente nos grandes centros urbanos, eu já tenha ido a alguns eventos 'fechados' que promoviam a vulva e o clitóris, nada se compara a ter um local fixo que se dispõe a falar do tema de maneira aberta e disponível a toda população. No Musex, além da série de eventos, também é possível agendar consulta de sexologia, com profissionais especializados.

Sonho no dia em que possamos ter um lugar desses no Brasil, rompendo a hipocrisia sobre sexualidade que reina em nosso país e que a limita a locais como casas de swing, de prostituição e motéis espalhados por todos as regiões.