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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O quanto vale uma pulada de cerca na madrugada?

Tero Vesalainen/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Tero Vesalainen/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

13/12/2022 04h00

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"Não gosto de transar pela manhã. Eu trabalho em horários diferentes do tradicional; às vezes de madrugada, aos finais de semana e quando tenho folga gosto de dormir até mais tarde. Porém meu ficante não entende isso. Quando ele me chama às 9 da manhã no WhatsApp, provavelmente horário que ele está livre da esposa e cheio de tesão, quer que eu esteja pronto para atendê-lo. E acaba não rolando. Já no meio da tarde eu fico com um tesão imenso e ele não pode sair do trabalho. Quando chega madrugada, ele manda mensagem. Somos vizinhos. A esposa e as crianças estão dormindo e ele quer fugir para transar rapidinho. Vivemos nessa maluquice de sexo rápido na madrugada. Mas nesse horário, eu não recuso por prazer em satisfazê-lo, mas eu já queria estar dormindo. Como acertar nossos relógios sexuais?"

Prezado candidato a insônia, entendo o seu desconforto e adianto que o seu dilema é bastante comum. Não é só a intensidade do desejo sexual que complica o encontro sexual dos casais, pois cada um tem seu próprio ritmo (com muitos fatores envolvidos), mas também a parte do dia em que a pessoa está mais motivada para transar, seja pelos fatores biológicos ou emocionais.

No entanto, adianto que, se já é um desafio regular os casais em relação de compromisso, que moram juntos, quiçá os que têm pouco tempo para desfrutar do encontro amoroso e carecem da tal janela de oportunidade.

Normalmente, costumo pensar em dicas para ajudar, mas no seu caso, simplesmente não encontro tesão suficiente para tanto. Me perdoe. Confesso que essa coisa de cônjuge se levantar de madrugada, às escondidas, se esgueirando pelos telhados como "uma gata" no cio e ir para a casa do vizinho, dar umazinha para relaxar e dormir, me desce superatravessado.

Não é pela questão moral da infidelidade (me pareceu pela descrição que seu ficante pula literalmente a cerca com você, certo?) porque eu nem sou dessas - mas um tanto pelo cheiro de tragédia que essa cena me suscita. Já fico imaginando a vizinha bisbilhoteira, que passa todo o tempo dos seus dias observando e buscando informações, para num dia, assim como quem não quer nada, soltar a fofoca em meias frases para a receptora comunitária, que vai espalhar para todes. Porque só os tolos acham que há crime perfeito nesse mundo.

Vocês estão brincando com fogo. Existem dezenas de insones na sua vizinhança. E as câmeras? Celulares gravando tudo. Sem falar nos cornos todos, que se identificam com a ingenuidade dos corneados, fazendo questão de deflagrar os traidores. Imagine a rua toda sabendo, a cena do flagra, a polícia, o Samu, os bombeiros.

Então, eu realmente temo pela sua vida e quero ficar distante da violência e da cumplicidade nesse caso. Além disso me solidarizo com a mulher do seu ficante, sozinha na cama, dormindo os sonos dos justos, sem saber de nada. Salvo ela também esteja transando com outro vizinho, quem sabe se divertindo com o zelador, o porteiro ou o segurança da rua - e também deixando os filhos sozinhos em casa. Minha solidariedade é toda para essas crianças abandonadas e eu vou odiar todos vocês se algum acidente acontecer.

Reforço que, quem está a te responder é a Ana Canosa mulher, não a psicóloga —que está de férias, só volta em 2023— então aceite meu desabafo pessoal. Te conto que aqui em casa, por exemplo, levamos o sono muito a sério. Bom colchão, bom travesseiro, janela antirruído, cortina blackout, ar-condicionado, ventilador, luzes indiretas e Cpap (que resolve apneia e ronco).

Prezamos pelo dormir bem, em silêncio, no escuro, de conchinha, produzindo oxcitocina de montão e fazendo que o sexo aconteça durante a vigília, pois já dormimos muito bem. Então, imaginar que, durante o susto de um pesadelo demoníaco, meu braço não encontre os do marido para me aplacar a alma, seria, no meu entendimento, mais do que infidelidade, seria deslealdade mesmo, um equívoco ético gravíssimo e imperdoável.

Além disso, esse seu triângulo amoroso me parece que esbarra em questões de gênero, haja vista você está trocando o frisson característico dos amantes, por uma atitude passiva, igual a das esposas do século passado, que TEM que transar quando o seu homem deseja, mesmo que não queira.

Sem contar que o seu ficante deve estar com dificuldade de assumir a relação homoerótica que tem com você, pois se recusa a fazer isso à luz do dia. Não tô achando isso muito emocionante não.

Sugiro que, em vez de se preocupar em ajustar os ritmos, arrume outro ficante, disponível e homossexual assumido, para você poder transar a hora que tiver tesão e salvaguardar as suas madrugadas. Ao que me parece, se continuar a forçar o seu ritmo, você é um forte candidato a insônia e dormir mal, não só prejudica a disposição para o sexo, mas desregula todo o organismo, além de diminuir a expectativa de vida.