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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Estou gay até o dia 12 de janeiro': dilemas modernos da sexualidade fluida

Print de aplicativo de relacionamento em que um homem heteressexual diz estar em "fase gay" - Reprodução
Print de aplicativo de relacionamento em que um homem heteressexual diz estar em "fase gay" Imagem: Reprodução

Colunista de Universa

31/12/2022 04h00

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O Macho 30 —perfil de um homem em um app de relacionamento voltado ao público gay— apresenta uma foto singela, essa que mostramos acima. Recatadíssima, eu diria, dentre tantas que revelam membros em riste ou das que exibem corpos seminus, repletos de lindos tórax e bíceps musculosos. Uma camisa verde água, um calção florido, a mão segurando o cordão do short. Opa! Aqui me parece está a chave da sedução: o nosso Macho 30 está prestes a se desamarrar. Leiam a sua descrição:

"MACHO [sim, em letras maiúsculas] hetero em fase gay. Estarei gay até dia 12/1."

Genial. Essa orientação sexual que desabrocha nas férias, ou no verão —não sabemos ao certo— vem se juntar a algumas outras experiências homoeróticas de pessoas que sentem o seu desejo pelos do mesmo gênerro vinculados a uma condição específica, normalmente quando há uso de álcool, ou substância psicoativa. Esse fenômeno faz supor que, em situações de redução da censura psíquica, o desejo se liberta.

Acho, porém, muito temeroso desmerecer os homens heterossexuais que juram de pé junto que em estado de consciência plena não dão a mínima para outros homens, ou das mulheres que afirmam piamente só sentir desejo por outras mulheres quando estão assistindo a filmes eróticos com cenas lésbicas.

Digo isso porque estamos longe de ter domínio sobre as alterações neurológicas que essas substâncias e imagens produzem em nossos corpos e, quem sabe, há algum botão cerebral que ative a vontade homo. Mas, convenhamos, será preciso avaliar com cuidado se homens gays e mulheres lésbicas também sentem um tipo de desejo hétero condicionado.

O fato é que essa flexibilidade da orientação sexual, que algumas pessoas apresentam por períodos curtos ou longos de tempo, é um fenômeno cada vez mais presente no comportamento de pessoas jovens no Ocidente.

A recente pesquisa sobre comportamento sexual "International Sex Survey", conduzida no Brasil pelo IPQ (Insituto de Pisquiatria) da USP (Universidade de São Paulo), contabilizou os dados obtidos a partir de um questionário respondido online por 3.650 brasileiros (o estudo envolveu 45 países, 82 mil respondentes), 34% declararam não se identificar como estritamente heterossexuais —mas também não como homossexuais nem bissexuais, orientações que podem supor que o desejo por pessoas do mesmo sexo seja mais presente.

A fluidez sexual feminina sempre foi mais aceita socialmente. Legitimada por diversas pesquisas, nos parecia que as mulheres eram dotadas dessa capacidade de passear entre um sexo e outro, enquanto os homens habitavam as caixinhas opostas. Mas, será que eles estavam condicionando suas respostas a uma necessidade interna e estrita de se posicionar como hétero ou homossexual? E quem sabe agora, em momento de maior liberdade, podem também se assumir como fluidos?

Aqui entra uma provocação também para as mulheres: vocês vão aceitar a desconstrução masculina, assim como temos exigido socialmente deles? Ou ainda ficarão com o pé atrás ao se relacionar com um homem cuja sexualidade é fluida, sentindo falta do "machão" ao qual a maioria de nós foi ensinada a querer?

Agora, voltando ao nosso amigo Macho 30: se ele faz parte do grupo dos heteroflexíveis, ou heterocuriosos, ou se ele é tão somente uma pessoa prática, que organiza a sua prática sexual a depender da sua agenda, não sabemos. Talvez esteja de férias até o dia 12 de janeiro e, portanto, como as pessoas fazem no Carnaval, sinta-se mais livre das pressões que o encarceram durante todo o ano. É possível também que esteja em outra cidade, o que faz ele ter essa sensação de distanciamento da sua realidade heterossexual cotidiana, como um estrangeiro que ninguém nunca viu e vai fazer tudo o que tem vontade em terras alheias. Vai que mora com os pais, que estão viajando e está com a casa liberada até a data definida, ou que se propôs a experimentar algo diferente em 2023?

De qualquer maneira, interessados, se habilitem: o tempo passa voando, e dia 12 está aí.

Feliz Anus...ops, Ano Novo pessoal!