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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Viu casal se 'pegando' na rua e achou feio? Inveja! Erotismo público é bom

Beijo de língua em público é necessário - Getty Images/iStockphoto
Beijo de língua em público é necessário Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

10/01/2023 04h00

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Vamos supor que você seja mãe ou pai de adolescente. Está em seu carro no trânsito, às 11h, olhando com apreensão pelo retrovisor, torcendo para um motoboy não lhe arrancar o espelho. Tem 300 coisas para fazer e a certeza de que, pelo andar da carruagem, só conseguirá finalizar no máximo duas ou três.

Dá um suspiro profundo de exaustão: como é difícil ser adulto! Vira a cabeça para a direita e se depara com um casal de adolescentes se "pegando", em plena luz do dia, entre o poste e o muro da escola.

Beijo de língua, desses ardentes, cinematográficos, que ignoram os passantes, os motoristas, os espíritos ao redor. Se, na sua cabeça, os pensamentos que surgem em um momento como este são do tipo "que absurdo, que pouca-vergonha, matando aula em plena quarta-feira, essa juventude está perdida", eu lhe pergunto: há quanto tempo você não é encoxado ou encoxada entre um muro e um poste?

Você está com inveja.

Sente inveja da disposição do jovem casal, dos hormônios, do apaixonamento.

As manifestações afetivas públicas que envolvem uma certa dose de erotismo podem mesmo incomodar, ainda mais quem está passando por tempos desérticos nesse aspecto. Algum limite entre o público e o privado deve ser estabelecido, é claro! A vida em sociedade, afinal, exige que se leve o entorno em consideração.

Se o que se busca é excitação visual, casas de swing e filmes pornográficos servem bem para este fim. Cada cultura vai estabelecendo suas regras do que pode e o que não pode, mesmo que elas sejam bem contraditórias, diga-se de passagem.

No Brasil mesmo, até pouco tempo atrás, enquanto não se podia falar de sexo em escolas, imagens de famosos vestidos apenas com underwears - sejam atores, cantores ou modelos - estampavam outdoors e vidros traseiros de ônibus pela cidade afora, certamente tirando a atenção de motoristas desavisados. De parar o trânsito.

Mas então passamos a discutir a objetificação dos corpos, os padrões estéticos que excluem a maior parte da população e deixamos para o ambiente virtual toda a exposição possível nesse sentido - não à toa o Onlyfans fatura milhões, monetizando a veiculação do erotismo (ao menos, a relação entre fornecedor e usuário é explícita e consensual).

Beijo de língua em público, minha gente, é necessário! Já dizem os especialistas da "gratitude universal", que devemos espalhar sorrisos e desejar bom dia a desconhecidos na rua, que isso pode provocar bem-estar coletivo. A alegria é contagiante e faz bem - o amor erótico também.

Quando o presidente Lula e a sua companheira Janja dão um beijo desses durante uma festa, esbanjando entusiasmo, passam a mensagem de que o erotismo e o amor têm lugar nessa relação e que o beijo entre casais pode fazer parte das celebrações sociais - não precisa ser só a bitoquinha formal ou o beijo romântico do dia do casamento.

Essa manifestação pública de carinho entre casais já foi apontada em estudos como parte dos hábitos de casais felizes, assim com andar de mãos dadas, trocar presentes em datas não comemorativas, dizer "Eu te amo" com certa frequência, chamar a outra pessoa por apelidinhos carinhosos, tirar férias a dois e fazer programas românticos de quando em vez.

Quando uma pessoa se recusa a dar um beijo no seu par, na escada rolante do shopping ou na fila do cinema, está indo na contramão da bem-aventurança relacional. Uma das grandes perdas da vida adulta é, justamente, ficar regulando a espontaneidade erótica adolescente e deixar que isso fique restrito ao leito conjugal ou ao quarto de motel, no horário do almoço executivo. Triste fim.

Insuflar o amor é, sem dúvida nenhuma, mil vezes melhor que incitar o ódio e a destruição. O historiador Leandro Karnal que o diga, mostrando recentemente nas redes sociais a alegria de estar de férias, viajando com seu marido, colocando em prática ao menos dois dos hábitos de casais felizes descritos acima.

Podemos, sim, ser modelo de comportamento beijando nossos pares na boca, de língua. Apenas sugiro evitar, em público, puxar o coro do "Beija, beija, beija" - bem característico nos grupos com até 15 anos de idade. Nada sabemos sobre a vida afetiva e sexual dos nossos coleguinhas adultos, que podem não achar graça nenhuma, estar em pé de guerra com o parceiro ou a parceira ou morrer de vergonha, pela falta de costume.