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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ano sabático de sexo e o mito da 'mal comida': 'Nunca me senti tão livre'

Decidir não transar para se conhecer melhor traz mais leveza e alegria à vida --e não o contrário, como dizem por aí - Unsplash
Decidir não transar para se conhecer melhor traz mais leveza e alegria à vida --e não o contrário, como dizem por aí Imagem: Unsplash

Colunista de Universa

07/02/2023 04h00

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É isso mesmo que você leu. Uma coleguinha minha está há um ano sem fazer sexo com ninguém. Só beijo na boca. Resolveu que precisava se afastar do sexo com parceiros, o que não significa que tenha abandonado a sua sexualidade. Pelo contrário: está se reconectando com seu corpo, seus desejos, suas intenções. Embora algumas amigas se espantem com o seu ano sabático relacional, ela continua se masturbando, tendo seus orgasmos, usando seus sex toys. É o mesmo que fazer sexo com alguém? Claro que não! Mas era justamente o fazer sexo com outras pessoas que a deixou emocionalmente confusa. E sua proposta implica só voltar a fazer sexo com alguém se estiver envolvida emocionalmente.

Ela cansou da frustração dos encontros casuais. Não, ela não está louca para casar e ter filhos, mas o sexo casual também não a tem deixado satisfeita. Decidiu que um afastamento dessas relações a ajudaria a entender seus padrões —perfil de homens que a atraem, maneira de se comportar diante deles. O interessante é que, muito embora possa parecer que está indo na contramão da liberdade sexual, ela diz: "Nunca me senti tão livre" —o que também faz cair por terra o terrível mito de que uma mulher não tão bem de bem com a vida seria "mal comida".

Existe uma sensação interessante quando você decide não dar muita importância para o engajamento sexual. Você tira das costas o peso de ser desejada e todo o pacote de performances femininas que herdamos: peso, cabelo, roupas, olhares. Tem também o pacote de entender o que o outro está sentindo, ler seus comportamentos, as entrelinhas.

Se isso já é uma tarefa que foi cruelmente destinada às mulheres —fazer gestão emocional do relacionamento e buscar uma maneira de saber o que seus parceiros pensam e sentem—, há mais ansiedade ainda em relações casuais. E tem todo o trauma de quem viveu relações abusivas e o cansaço do sexo ruim. É a chamada exaustão —o burnout afetivo— o impulsionador do sabático relacional.

Olho para ela e penso na vanguarda feminina. Como está vivendo uma experiência tão interessante aos 30, mais precocemente do que as mulheres da minha geração. Uma das dádivas dos pós 50 anos é justamente você perceber que se a mala extraviou no aeroporto, dane-se. Vou viver com o que eu tenho. Tem um lado maravilhoso em ser chamada de senhora e perceber que você não está mais dentro dos padrões de "busca", afinal, não é mais isso mesmo que se deseja nessa fase. Não há mais que se preocupar tanto assim com o olhar das outras pessoas, as imposições sociais, quantos likes, quantos olhares de desejo sobre seu corpo.

Dá até um alívio, sabe? Chega quem eu deixo, fica quem dá conta de mim, vai embora quem me enche o saco. É nos 50+ que a gente entra em uma espécie de sabático perpétuo, abre as asas e voa. E todo esse movimento também não diz respeito a abandonar a sexualidade, mas a exercê-la na plena integração com o projeto de vida. São as performances sociais —as roupas da mala— que cada vez mais são deixadas de lado.

Guardadas as devidas proporções —já que existem grandes diferenças entre os 30 e os 50 anos —há, na minha humilde percepção, algumas singularidades nesse processo de olhar para dentro e dar importância para o que é fundamental. Para ser inteiro é preciso se perceber em todas as partes. As outras pessoas nos afetam, e isso é maravilhoso, mas as relações também nos confundem um bocado.

Firme na sua percepção de que o exercício da sua sexualidade vai de vento em popa, mesmo sem fazer sexo com alguém, ela está preparando o terreno. Talvez, daqui a pouco, ela mude totalmente e saia por aí transando com todo mundo. Mas, certamente, já terá fincado raízes.