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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quando um fetiche sexual pode se tornar perigoso?

No BDSM, dor e prazer se misturam: é preciso conhecer os próprios limites para uma prática segura, física e emocionalmente - Unsplash
No BDSM, dor e prazer se misturam: é preciso conhecer os próprios limites para uma prática segura, física e emocionalmente Imagem: Unsplash

Colunista de Universa

16/05/2023 04h00

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Recentemente, tive a oportunidade de participar como ouvinte de um encontro chamado "Roda de Fetiches" ,que abordava questões ligadas a segurança e consentimento em algumas interações BDSM.

BDSM é uma sigla que abrange várias práticas eróticas, como "bondage" (amarrações), disciplina, dominação e submissão e sadomasoquismo. Consentimento é uma palavra de ordem para o jogo, e a reflexão do grupo já começou instigante: se a noção de consentimento nas relações baunilha (a tradicional, sem fetiches) já é difícil, pois muitas vezes as pessoas se submetem a práticas só para agradar ou outro, no BDSM é pior: aceitar o que não é exatamente o seu desejo pode fazer parte do fetiche da outra pessoa, nublando os limites.

Isso acontece, por exemplo, quando praticantes que apanham ou são amarrados suportam mais e mais não porque desejam, mas porque isso faz parte da sua performance para agradar a outra pessoa. Em outras vezes, dor e prazer se misturam muito, porque a adrenalina e a endorfina liberadas, responsáveis pelo prazer, fazem o corpo acreditar que pode ir além —vejam o caso de esportistas que já se lesionaram gravemente ou chegaram à exaustão em provas de alta performance. Além disso, dizer sim para a parte que domina pode vir de dependência emocional, manipulação e inseguranças, transformando uma relação de dominação e submissão, que poderia ser saudável, em algo tóxico.

Como uma relação que deve ser baseada em transparência e negociação de acordos claros, quem domina e quem se submete precisa estar consciente do que verdadeiramente motiva o consentimento. Quando o medo e a insegurança tornam difícil dizer não e estabelecer limite, o consentimento precisa ser questionado. Quando se está instável emocionalmente, quem sabe movido por sentimento de rejeição ou culpa, o jogo pode ficar muito perigoso, a ponto de colocar a vida em risco: vira autodestruição.

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Para quem está começando, é fundamental ir devagar, ser extremamente sincero e se observar. Na prática a teoria é outra, pois a vivência dos fetiches nem sempre acontece de forma natural, e as referências da pornografia mais atrapalham do que ajudam. "Você só vai descobrir se o "bondage" é para você, quando for amarrada" —disse uma participante do grupo. É um processo de conhecimento e descoberta, e é preciso ir aos poucos. Por isso, mesmo a parte dominante precisa adquirir experiência, domínio das práticas e cuidado com as frases que incitam a submissão.

Dizer "isso não é suficiente para mim" pode ser frustrante para quem se submete. A pessoa vai se sentir insuficiente, incompetente. Pior quando o dominador usa o limite contra o submisso: "Já está pedindo safeword?". A palavra de segurança, escolhida para acabar com o ato na hora em que a pessoa a usa, é ser usada para desmerecer, fazendo com que a parceria se sinta mal pelo próprio limite.

Existem caminhos para que o consentimento fique cada vez melhor nessa relação, como usar safewords intermediárias para ir sinalizando que o jogo está ficando desagradável, trocar práticas que promovem dor quando alguma delas já parece demais, saber quais as partes do corpo são mais seguras e aquelas onde não se deve tocar. Há muito a se aprender nesse campo antes de se aventurar. E saber dizer não é uma condição indispensável.