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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Motorista do Uber, professor de tênis: fantasias sexuais as tiram do tédio

Devaneio com motorista de Uber foi excitante: "Devo estar no período fértil" - Unsplash
Devaneio com motorista de Uber foi excitante: 'Devo estar no período fértil' Imagem: Unsplash

Colunista de Universa

23/05/2023 04h00

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Vanessa queria muito fazer aula de tênis. Uma colega indicou um hábil professor e passou o contato do WhatsApp. O papo começou sobre horários, dias e valores, de maneira gentil. Mas Vanessa não conseguia achar uma brecha na agenda. Tinha também a dor no joelho, às vezes na coluna, que a faziam repensar se tênis era mesmo o melhor esporte. Vira e mexe mandava mensagem para o tal professor, perguntando tudo de novo, e ele prontamente respondia. "Agora começo", dizia ela para si mesma. Mas daí chegava uma conta extra para pagar.

Mandava mensagem para o professor de novo, se desculpando, no que ele respondia empático: "Não se preocupe, no seu tempo, estou por aqui". Interessante esse cara que me aguenta perguntar, marcar e desmarcar aulas-teste, responder prontamente.. Uma ponta de curiosidade sobre ele lhe invadiu a mente, mas no contato do WhatsApp não tinha foto. Pensou que poderia descobrir tudo sobre Marcelo nas redes sociais mas, quando se deitou na cama com celular em punho pra começar a busca, tocou o interfone e era a entrega do supermercado.

Quando acabou de guardar tudo, já estava atrasada para uma reunião, a vida de adulta atropelando seus pequenos prazeres. Dias depois sonhou que estava na tal aula de tênis, o professor ensinando como segurar na raquete, a pele arrepiando com a proximidade do corpo de deus muso absoluto, uma mistura do Rafael Nadal, Tommy Haas e Fabio Fognini, um italiano de tirar o fôlego. Acordou excitada e começou a alisar as pernas do marido, que dormia ao lado. Fizeram um sexo gostoso e quente, como há muito tempo não rolava.

Passou a semana com as cenas do sonho na cabeça, que ela conscientemente foi aumentando toda noite antes de dormir, um capítulo atrás do outro, torcendo para adormecer e continuar sonhando. Ao final de uma semana, já tinha quase uma minissérie em sua mente, produzida por seu desejo, que ela acionava toda vez que o cotidiano lhe impunha problemas a resolver, decisões a tomar, raiva, angústia ou tédio. Até a cólica menstrual melhorava, vejam só.

Numa segunda-feira de manhã o tal professor mandou mensagem, dizendo que estava com a agenda aberta para novos alunos. "É um sinal", pensou ela animada. Recomeçou tudo: horários, dias e valores. Saiu correndo para comprar uma roupa de tenista que lhe caísse bem, lavar o tênis, pegar a raquete emprestada, cortar cabelo, fazer sobrancelha. Ao chegar no clube, 15 minutos antes, o coração parecia sair pela boca. Quando Marcelo se aproximou, ela ficou procurando o deus italiano dos seus sonhos.

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Embora risonho, o professor de tênis era alto e bem magro, um perfil que não a atraía. A aula foi bem mais difícil do que imaginava, além de nada sensual. Voltou para casa resignada, pois já não bastasse a realidade dura da vida, estava cheia de dores e ainda, por cima, teria que recriar outro conteúdo mental interessante a fim de garantir espaços luminosos na sua existência.

Com Manuela foi mais fugaz —afinal, ela é uma millennial). Outro dia saiu para o escritório de Uber, sentou-se no banco do passageiro e, por um instante, fitou a nuca e os braços do motorista, todinhos tatuados. Tinha um dragão e uma série de desenhos tribais, a pele morena —"acho que é surfista"— ela devaneou. Sentiu o clitóris dar uma fisgadinha. "Devo estar no período fértil."

Foram os cinco minutos mais desconectados da semana, um hiato na sua cabeça tão agitada.

Chegou ao destino meio tonta. "Bom dia." "Pra você também." Saiu do carro perplexa com a própria capacidade de se sentir atraída sexualmente por um desconhecido assim, do nada, em plena quarta-feira, às oito da manhã. Resolveu dar R$ 5 de gorjeta e cinco estrelinhas. quando viu a foto do rapaz sem os óculos escuros, deu uma dor no coração. Preferiria não ter visto. Além disso, ele se chamava Rogério, o filho da puta do vizinho que batia na mulher. Impressionante como bons devaneios duram pouco.