Ana Canosa

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Opinião

'Será que o desejo dele não anda com o amor? Será que é gay?'

Luciana tem 48 anos, é casada pela segunda vez com o André, que tem 52 e é um apaixonado por carros. Ela se considera uma mulher, alegre, positiva, observadora e comunicativa. Se queixa que o marido com ela é mais pacato, não demonstra entusiasmo nas propostas que ela faz, não é comunicativo. Já quando está com os amigos que partilham do mesmo hobby, segundo ela, André muda totalmente - aparece um 'brilho no olhar'. Além disso, ele não é tão desejante no sexo quanto Luciana, que o 'procura mais para transar' - o que a inquieta. Será que o desejo dele não anda junto com o amor - me pergunta - Será que é gay?

Existem várias questões para refletirmos nessa pergunta da Luciana, que de longe não é incomum. Já escutei tanto essa história e até existe aquela piada de que homem gosta mesmo é de homem, de tanto que são mais felizes na convivência com outros homens. Mas não esqueçamos que o inverso também é comum: mulheres que se sentem mais conectadas às suas amigas, do que com seus maridos. Penso que reside aqui uma diferença na maneira que fazemos amizades, sendo os homens mais 'grupais' e as mulheres estabelecendo relações mais íntimas com uma amiga e, muitas vezes, na relação conjugal, aparece esse gap, cada um sentindo falta no par, do que os amigos são capazes de oferecer.

Essa diferença também pode ser observada no desenvolvimento de uma espécie de 'socialização sexual'. É mais comum encontrar homens que se sentem à vontade na presença de outros, em práticas sexuais. Outro dia um frequentador de um site em que as pessoas se masturbam umas para as outras - maciçamente frequentado por homens - achou interessante quando um deles virou a câmera para um filme pornográfico que passava na sua televisão. Em vez de um olhar para o genital do outro, ficaram "lado a lado", virtualmente, assistindo a um pornô hétero, numa espécie de irmandade masculina. Até onde isso se configura uma espécie de atração sexual por iguais, difícil dizer - se é que é preciso formatar algo nesse campo.

Sobre a possível homossexualidade de André, considero que existe uma linha de pensamento sobre a orientação sexual que destaca a possibilidade de alguém se sentir atraído sexualmente por um sexo e afetivamente por outro. Uma forma de bissexualidade - ou uma fluidez na orientação sexual. Mas, pelo que Luciana relata, são os afetos de André que se destinam para o mesmo sexo, não o desejo sexual. Ao menos que ela perceba.

Quem sabe André seja uma pessoa que se sente mais confortável em grupo, onde pode se destacar nem tanto pela pessoa que ele é, mas pelo assunto que ele sabe conversar. Me parece que ele desenvolveu pouco outros interesses ao longo da vida, se fixando na máxima da masculinidade: carros, o que pode gerar total desconexão nessa esfera da relação amorosa com Luciana, já que ela não se sente atraída por esse tema. Quanto mais parecidos são os casais nos interesses, mais fácil será criar e usufruir dos espaços de lazer e troca, o que certamente leva a satisfação conjugal.

Luciana se sente pouco instigada pelo seu parceiro e vice-versa, o que pode gerar frustração. Ela espera um olhar mais vibrante na relação a dois, ele vibra na relação em grupo. Precisariam encontrar um assunto em comum para vibrarem juntos, que não sejam os boletos para pagar ou tudo o que se refere ao cotidiano em comum. Às vezes, enfrentar essa realidade é tão difícil, porque além de acenar a possibilidade de uma separação - pela insatisfação conjugal - vira uma afronta para o ego. Fica mais fácil culpar uma possível homossexualidade: se eu não pareço interessante, vai ver que é porque ele é gay.

Entenda a fluidez sexual

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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