Ana Canosa

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Opinião

'Tenho namorado e um amante casado de tirar o fôlego. Mas não é suficiente'

Se você está sempre se envolvendo com pessoas comprometidas, e não sabe por que, eu vou te contar o dilema da Amélia, de 38 anos, que chegou até mim com essa inquietação. Ela tem um namorado há bastante tempo, um relacionamento que ela relata como 'tranquilo e monótono'. Pergunto a ela se vê diferença entre esses dois 'estados', ela levanta as sobrancelhas, olha para o lado, faz bico — cara de quem está buscando respostas. Sobre a tranquilidade, chegamos à conclusão de que é algo aconchegante, sereno, um quentinho no coração; já a monotonia é de fato o que a aborrece.

Revisitando sua história, Amélia é dessas pessoas que se entediam com facilidade e foi no jogo da conquista que encontrou uma maneira de mobilizar a sua energia, a fim de minimizar o impacto da realização das tarefas enfadonhas da vida adulta. Esse gosto pela novidade se transformou em uma necessidade de conquistar, de jogar charme e sair com outros homens e mulheres. Segundo a teoria dos tipos de amor, é possível encaixar Amélia no estilo Ludus, esse que é divertido, descomprometido, que pode ser atraído por diversas pessoas ao mesmo tempo. Não à toa, ela tem um amante casado, um romance a que ela se refere como 'de tirar o fôlego', mas que ainda assim não é suficiente para ela.

Amélia tem a impressão de que nunca está inteira nas relações, e eu digo a ela que isso não existe, pois somos feitos também da porção de nossos vazios. Ela sonha com o dia que encontrará alguém que a aceite assim, desejante de muitos e muitas, em uma relação não monogâmica. Que ela já vive — diga-se de passagem — provoco como me é de costume. Afinal, continua praticando o seu esporte favorito que é flertar, além de manter a relação extraconjugal.

O que me grita, em letras garrafais, não foi tanto o fato de o namorado não saber do amante — essa é uma conhecida covardia que assola a humanidade — mas que seu ficante casado não sabe que Amélia namora. Sendo ele mesmo, um não monogâmico "no armário" — afinal a própria esposa também não sabe de Amélia — por que razão esconder dele se ambos estão em pé de igualdade?

Reflito com ela que a aceitação de sua condição poliamorosa deve começar por si mesma. Há muitas pessoas que se identificam dessa maneira e já deram esse passo. Provavelmente ela 'só se atraia pelos casados' justamente porque a relação com ele carecerá de proximidade, convívio e controle — a maneira dela garantir de um lado a tensão sexual e do outro uma espécie de liberdade. Provisória. Porque depois, quando reflete sobre o próprio dilema, ela em algum lugar se recrimina. Ressente o fato de ninguém a aceitar como é, mas também não se apresenta como é. Cria ela mesma a armadilha para não assumir uma característica importante de sua identidade. Como borrar a sua imagem para ambos os homens, que "tipo de mulher" se tornaria?

Talvez Amélia esteja no caminho da sua autoaceitação. Não é fácil, mesmo em tempos atuais, uma mulher assegurar escolhas que parecem ir na contramão de tudo o que foi construído até aqui. Talvez seja mais fácil para quem tenha uma rede de apoiadores — que enlouquecem com a potência de mulheres assumidamente livres nesse campo. Mas Amélia não é cantora de sucesso, nem atriz, nem influenciadora, nem ex-BBB. O anonimato, ao mesmo tempo que a limita, a protege. Então, seu desafio inicial é refletir sobre alguns ganhos emocionais que ela tem "vivendo pela metade", para usar uma expressão dela própria, em vez de passar o tempo reclamando do julgamento alheio sobre seus desejos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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