Ana Canosa

Ana Canosa

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Sexo é coisa de gente imatura e o legal mesmo é gostar de livros e vinhos?

Toda sexta-feira pela manhã eu faço pilates. Quis o acaso que os quatro colegas de aula fossem homens. Nos tornamos um grupo divertido, que sacaneia uns aos outros, um modo meio masculino de funcionar. Trocamos indicações de livros e filmes, restaurantes, viagens, comentamos sobre o bairro, política, fazemos alguma fofoca... Mas quando o assunto é sexo, um silêncio cortante invade o ambiente, uns risinhos sem graça. Às vezes um deles resolve reclamar da esposa: eu acolho e começo a pensar hipóteses, tentando ajudar. É aqui que eu torno o papo mais sério, a vulnerabilidade sendo exposta, os outros ouvindo atentamente. Mas a conversa nunca avança muito e invariavelmente alguém muda de assunto.

Sempre peço para me contarem histórias sexuais curiosas ou engraçadas, mas eles nunca me revelam NADA. Não sei se por eu ser mulher se fecham em um tipo de conluio masculino, ou se não estão habituados a trocar intimidades. Sempre acaba virando mais uma piada e eu reclamo frustrada dessa falta de estímulo profissional.

Mas hoje eu fiquei realmente comovida, pois a justificativa de um deles foi a que sexo é coisa de gente imatura, que não chegou ao nível elevado de prazer do amadurecimento humano que é de gostar de livros e vinhos. Pobre homem. Uma boa transa completaria o deleite, mas quem sou eu para questionar o prazer alheio?

Senti o olhar de cumplicidade dos outros, um completamente contundido pelo esporte, tentando esticar as pernas, certeza que não anda fazendo sexo do jeito que está. O outro, pai de um bebê de 5 meses, o que sabemos, atrapalha sobremaneira a disposição sexual do casal. O quarto cabisbaixo, talvez porque o Palmeiras tenha perdido o campeonato na quinta-feira - está de luto - quem tem disposição para transar depois de uma tragédia dessa natureza?

Gosto desse momento, porque é uma linguagem muito diferente dos grupos femininos, onde a história tem começo, meio e fim e palpites de toda ordem. Mulheres se reúnem, contam um problema e saem com dezenas de hipóteses e ideias de resolução, indicações de toda ordem: de podcasts, passando por sex toys a incríveis profissionais do tarô. Os homens tendem a fazer uma jornada mais solitária, as emoções nem sempre reconhecidas por eles mesmos, a busca por soluções rápidas.

É claro que não estou falando de todos os homens, nem de todas as mulheres, e que, felizmente, essas diferenças de gênero tendem a diminuir, mas ainda é assim. De um lado, resoluções mais práticas, para resolver um desconforto no casal — como fazer sexo — ao invés de ter uma DR, é muito eficaz.

Quando os conflitos já estão deflagrados e ambos estão conscientes do que é preciso fazer - voltar para o mesmo ponto crítico é deveras improdutivo. Mas essa parte anterior, a de desvelar o que está causando insatisfação, de olhar para os sentimentos e a maneira como reagimos a eles, é muito necessária. Mulheres tem mais facilidade para esse enfrentamento, e seguem solitárias quando sentem que seus parceiros lhes negam esse mergulho na intimidade.

Sigo no pilates nessa interação divertida com meus 'vizinhos', eu precisando deles para começar alegremente a minha sexta-feira e eles precisando das minhas provocações, um convite a olhar mais 'para dentro'. Uma interação certamente mais fácil, do que nos casamentos - guardado o distanciamento que a amizade nos dá.

"Parece que nunca mais vou querer sexo": como driblar a falta de libido na menopausa

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes