Ana Canosa

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Opinião

'Ouvi um 'eu te amo' depois de quatro meses e não soube o que dizer'

Carla tem 33 anos e está saindo com Murilo, de 31. A relação acontece há quatro meses, sem que tenham oficializado com a palavra namoro. Acho interessante como as pessoas atualmente têm medo dessa palavra, como se assumir um compromisso dispendesse uma responsabilidade sobrenatural sobre o outro. Falar eu te amo, então, nem se fala.

Foi com assombro que Carla ouviu um "eu te amo" de Murilo e ficou sem saber o que responder. Ela não se sentia pronta para dizer o mesmo, mas por outro lado achou incômodo silenciar. Entendia que receber uma expressão de afeto dessa natureza é uma preciosidade, um presente da vida. Olhou bem para ele e disse carinhosa: nossa, que forte o que você me disse, fazendo Murilo sacar que não vinha um "eu também" naquele momento. Mas o rapaz segurou a frustração — quem nunca sofreu pelo "eu te amo" não correspondido? Argumentou que era assim que sentia, que estava apaixonado e que estava tudo bem ela não sentir o mesmo. Ainda.

Eu li, em algum lugar, que as pessoas fogem de crushes que já se declaram no segundo ou terceiro encontro, esse transbordamento emocional que pode dar indícios de carência, impulsividade ou mesmo love bombing — aquela necessidade de ser o centro das atenções, já que a pessoa que recebe a enxurrada de afeto acaba encantada com o outro. Essa defesa revela que entendemos que não dá para fazer do amor a referência para todo tipo de entusiasmo.

Mas Carla e Murilo estão juntos há alguns meses, o apaixonamento crescendo entre os dois, talvez mais rápido nele do que nela. Aliás, Carla me diz justamente isso, que não teve paixão à primeira vista, como nas relações anteriores. Esse modo de estabelecer a conexão, que se inicia por um sentimento que parece mais amizade do que erotismo, não lhe era conhecido e a fazia questionar sobre o verdadeiro interesse em Murilo. Mas em uma conversa descobrimos que ela tem atração sexual, sentimentos de alegria e bem querer, sente saudades, a vontade de estar junto crescendo dia a dia. Carla, me parece, já está amando Murilo, os olhinhos brilhando enquanto fala dele. Então questiono se é o nível de comprometimento que um "eu te amo" pode trazer — no caso dela, um receio do compromisso afetivo, já que na sua última relação viveu na alma a toxidade do parceiro, o aprisionamento em uma dinâmica que ora parecia amor, ora parecia desprezo. Uma sobrevivente da guerra psicológica das relações abusivas.

Diante do medo de ser agente de uma comunicação que fomente na outra pessoa expectativas de amor correspondido — embora esteja correspondendo — e mantendo seu sistema de defesa acionado.

Carla tem adotado uma postura que se sente confortável: "amo estar com você", "amo fazer sexo com você"; frases que reforçam a importância do outro, mas de maneira indireta. É significado de conexão, mas não afirmação da pessoa inteira do outro. Ela precisa de mais tempo para ter clareza que não estão sendo levianos um com o outro.

Digo a ela que, se Murilo conhece os receios e vivências anteriores de Carla, ficará mais fácil continuar dizendo "eu te amo", sem esperar dela o mesmo, por enquanto. Que curtam os momentos de prazer e se entreguem, sabendo que o amor é esse sentimento complexo e difícil de ser explicado. E que ele se transforma, sendo suficiente, ou não, para a continuidade das relações românticas. Que no amor não há garantias e que a gente só consegue mesmo é apostar na intenção de fazer a outra pessoa feliz.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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