Ana Canosa

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Opinião

Caso Ana Hickmann: falhamos ao criar narrativas sobre quem não conhecemos

Sim, eu já arrumei desavença por chamar a atenção dos colegas que estão a fazer leituras sobre a vida conjugal de Ana Hickmann e Alexandre Correa. São seus terapeutas? Não. Amigos íntimos? Não. Familiares? Não. O circo está formado. O novo conhecido jogo brasileiro, analisar sem conhecer a fundo a história, tomar partido, torcer contra e a favor, detonar pela internet, ansiar pelo desenrolar das cenas dos próximos capítulos.

Poucos estão realmente preocupados com o tamanho da exposição que este casal está enfrentando, a dor do filho deles, o medo de uma separação, de que o pai seja preso, de que a mãe seja morta, ou todas as outras fantasias que uma criança possa ter em um momento como esse.

Difícil manejar a ética e a empatia em tempos de redes sociais, quando um assunto deve ser comentado, a fim de elucidar a população sobre temas importantes como o da violência doméstica. De um lado, o caso encoraja mulheres a denunciar quando são vítimas de agressão, por outro cometemos a grande falha de criar uma narrativa sobre a vida dos que nem de perto conhecemos.

Alexandre foi violento com Ana, que registrou um boletim de ocorrência. É o que sabemos. Que ela seja amparada pela lei e que seja acolhida por sua rede de apoio. Que eles sejam atendidos por profissionais de saúde mental. De resto, nos caberia tão somente torcer para que a violência tivesse se encerrado ali e que eles possam seguir, juntos ou separados, de maneira íntegra e gentil.

Mas não, a violência continua. Alguém vazou esse BO. O fofoqueiro de plantão divulga a notícia, para alimentar a necessidade da população. A mobilização é intensa, todos se sentem na obrigação de comentar. Acusações de todos os lados, narrativas construídas com notícias retiradas de aqui e acolá. Se essas não são formas de violência, certamente são potencialmente motivadoras dela.

O quanto se sentem obrigados a dar satisfação sobre o que estão vivendo, quantas decisões tomarão a partir da pressão social? Será que se sentem livres para acomodar o susto, a tristeza, a desordem, o arrependimento, o medo, a insegurança? Como mergulhar nas próprias emoções, dar sentido a elas, compreender o que as move, tendo que responder a demanda social?

E se Ana e Alexandre continuarem juntos, isso vai significar que ela é tonta, dependente emocional, que merece "o homem que tem"? E que homem é esse? Não haverá saída. Certamente ambos cairão no julgamento vexatório dos que se arvoram de uma sapiência sem precedentes. Dirão que este é o preço a pagar pela fama, a vida devassada pelos que não a conquistaram.

Só quem atende casais sabe o quão complexo é passar por momentos terríveis e assustadores como esse. O quanto nós terapeutas precisamos conter emoções pessoais para acolher, ter isenção, fortalecer, construir um diálogo saudável, intervir em casos de violência e abuso, psicológico ou sexual. Olhar para dentro é a tarefa mais difícil na jornada humana — por isso as pessoas acompanham de perto o movimento alheio, a fim de desviar das próprias sombras.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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