'Sou gay e minha mãe não fala mais comigo. Devo seguir o meu caminho?'
Recebi uma pergunta no Instagram, que me comoveu. Uma mulher diz que é homossexual e que por isso a sua mãe não fala mais com ela. Questiona: eu devo seguir o meu caminho?
Provavelmente ela me escreveu depois que eu postei uma foto de Marcelo e Diego, radiantes, em seu casamento em uma praia no Ceará, rodeados por amigos e familiares. Não bastassem esses dois homens lindos, emocionados, celebrando o seu amor, gratos por terem se encontrado nessa vida, ainda tinha a brisa, o céu azul, flores e palha, coqueiros e o mar ao fundo.
Nos votos, pequenas sutilezas de casal, os detalhes que tornam a todos nós especiais para alguém, os traços de personalidade, a jornada conjunta, o amor que foi crescendo e, principalmente, a surpresa pelo desejo do casamento. "Eu não tinha modelos sobre a vida amorosa de um casal gay — achava que o amor não era para mim", disse Marcelo a Diego. Uma linda celebração, com padrinhos e madrinhas, irmãos, tias, tios, primos e os pequeninos abrindo a passagem, a tia-avó de 93 anos que levou as alianças. Várias gerações participando daquele manifesto de amor. Um casamento até bem tradicional, eu diria.
Fica difícil imaginar que um dia já chegamos, como sociedade, a incubar afetos, castrar desejos e decidir quem pode ou não se expressar afetivamente e se casar com alguém. Imagino que muitos dos convidados que choraram ali, emocionados, era também por perceberem que suas famílias não estariam presentes e alegres, a celebrar um dia como esse. A moça do Instagram com a mãe que não a aceita. Os amigos são certamente uma família escolhida, mas nosso primeiro sentimento de pertencimento é nos dado pela família de origem.
Aliás, a primeira menção da celebrante foi às mães dos noivos, por terem sido apego seguro para eles, em sua condição homossexual — mães LGBT fazendo seu importante papel no fortalecimento das suas identidades.
Me entristeço em lembrar que essa figura de referência amorosa possa recusar um filho, por não ser uma concretização do seu próprio ideal. Muitas vezes o que está em jogo não é o amor, mas a rigidez que o impede de crescer. Amar, como dizia a Bell Hooks, é ser afetado pelo outro, o que também implica em dar conta das próprias dores. Para muitos pais e mães a orientação sexual dos filhos(as) é sinônimo de sucesso, quando heterossexuais, ou fracasso, quando homossexuais. Quanto mais apegados a discursos homofóbicos, mais sofrerão. Incrível como essa lógica do desamor possa fazer algum sentido ainda hoje.
Quando a moça do Instagram pergunta se ela deve ou não seguir o seu caminho, a resposta me parece óbvia: sua mãe já está trilhando o dela, portanto sua única tarefa é seguir o seu. Orientação sexual não é uma escolha, mas um ímpeto, não dá para mascarar por muito tempo. Sei que muitas vezes filhos LGBTQIAPN+ criam uma espécie de vida paralela, distanciando dos pais os amigos e pares pela falta de aceitação.
Às vezes, pais e mães só precisam de um tempo para se abrirem a ideia, reorganizarem a rota e reafirmarem a sua concepção sobre o amor. Vale paciência aqui, mas sem aniquilação. Ter respeito por pai e mãe não é significado de submissão aos seus desejos. Não sei que tipo de personalidade tem a mãe de nossa leitora, mas quero lembrá-la que pais e mães negligentes, violentos, ausentes, abusivos, narcisistas e também os extremamente rígidos, deixam nosso reconhecimento no mundo confuso, inseguro, frágil ou evitante.
Me lembrei de um dos princípios básicos da educação que é "estimular o aluno a aprender a ser". Quando dizemos a alguém que não pode amar fulano, ou que não deve andar de mãos dadas com ciclano (menos ainda se casar a céu aberto, com direito a festa de 12 horas ininterruptas), é o mesmo que dizer: "Seja, não sendo".
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