Ana Canosa

Ana Canosa

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

'Saí com uma ex, mas desisti de transar com ela porque está solteira'

Outro dia Luís mandou uma mensagem nas redes sociais para uma ex, com quem teve um caso tórrido, intenso. "Procurando confusão?", perguntei, já meio que afirmando. A moça respondeu prontamente, um gatilho para o mergulho no caos do amor maníaco, apaixonado e impossível. Um encontro para reafirmar a potência de cada um e alimentar o quanto são desejados por alguém. Eles já sabem o roteiro: dias seguidos de trocas de mensagens, fotos, poemas, músicas e sacanagens.

Se encontraram em um shopping para um café, o que pode ser qualquer coisa, acima de qualquer suspeita, pois até um acaso cabe no corredor de shopping, ainda mais na época de Natal. Atualizaram rapidamente a vida, e em menos de 15 minutos a perigosa, como ele gosta de dizer, já estava apertando os lábios, dizendo que ele mexe com ela. Mais cinco minutos e se pegaram na escada de incêndio, depois dentro do carro, a adrenalina correndo solta pelas veias, borrando os sentidos.

Mas algo em Luís parecia diferente, menos disposto, embora excitado. Quando ela o convidou para ir a sua casa, onde poderiam se amar à vontade, ele inventou uma reunião e deu um jeito de ir embora. Não chegaram a fazer sexo penetrativo, o que, dependendo do contexto, da cena, dos personagens e do enredo, é muito mais do que simplesmente coito.

Que Luís adora esse jogo prévio, a sedução, o acúmulo de tensão sexual que vai transbordando pelo corpo, nos pelos eriçados, na pupila aumentada, na transpiração, nós já sabíamos. Revistamos inúmeras vezes essa necessidade de erotizar tudo e todos como uma maneira de se sentir vivo e potente. Não é à toa que depois do divórcio ele decidiu se tornar um solteiro mais do que convicto. Ele também ama um cenário transgressor, os espaços públicos sendo invadidos, testar os limites da boa educação. Mas também não era só isso, a excitação do proibido, pois de outras vezes nunca recusou uma cama. Passamos algum tempo tentando entender esse súbito desinteresse, até que ele olhou para mim e disse: "a perigosa está solteira".

Luís sempre adorou as mulheres casadas. De preferência as que postam uma vida bem caseira no Instagram, quem sabe até suas promessas religiosas, com homenagens aos maridos e que por trás são infiéis, devassas e praticam o impensável. As que viram a esquina de casa e começam a mandar mensagens pornográficas para o amante da vez. Ele já foi esse amante de muitas, o escolhido para desfrutar de um corpo sedento, pecador e segredado. Sempre gostou das mulheres desejantes, um espelhamento de si mesmo, é o homem guardado na memória erótica feminina, o sexo explosivo às 11h. Se sente poderoso, imbatível. E a "perigosa", que outrora era casada, quando se conheceram, tinha agora perdido o encantamento em toda a sua disponibilidade.

Luís tem, sim, a necessidade de reproduzir uma triangulação, ligada a aspectos familiares. Teve uma mãe infinitamente apaixonada por ele, o filho maravilhoso para quem ela investia todo o desejo e a realização. Embora seja uma mulher com um casamento longevo, aparentemente satisfatório, a maternidade ofuscou o marido, pai de Luís. Foi o lugar ocupado por ele, que impulsionou a competição silenciosa com os maridos, sua impotência escancarada na infidelidade das mulheres. Uma maneira de reduzir o pai a subalternidade, ainda mais tendo ele tido esse pai arrogante, autoritário e distante emocionalmente.

Eu fico impressionada como velhas teorias ainda fazem tanto sentido nos dias de hoje. E como para uma mulher ser desejante sexualmente, ela ainda precisa, no imaginário masculino, ser libertina e traidora, uma espécie de Eva no Paraíso.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes