Ana Canosa

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Reportagem

'Transa cada dia com uma?': as dúvidas de uma família sobre seu novo trisal

Foi aniversário de 40 anos da Judite e ela convidou a família para comemorar em um restaurante —entre eles alguns primos queridos, com quem conviveu bastante na infância e, como é comum acontecer, passou a encontrar menos na vida adulta.

Vez por outra até fala com eles por telefone, quando algum tema do cotidiano solicita ajuda, e os encontra em comemorações familiares.

O Vinícius é um deles, o primo advogado e boa praça que nunca nega uma cervejinha, um bom papo ou uma consultoria jurídica, sendo que ela sempre retribui com a mesma disposição. Mas eis que o Vinícius ligou para Judite, às 8h da manhã do domingo que antecedia o jantar de aniversário, horário incomum para a chamada.

Ela atendeu sobressaltada achando que algo de muito ruim tinha acontecido. "Oi, como vai, tudo bem, como estão as coisas"—até aí, nenhum sinal de acidente, tragédia ou doença grave, mas uma leve sensação de revelação no ar.

Vinícius então introduziu o assunto com delicadeza —embora seja daqueles advogados contundentes, não é afeito ao drama.

Disse que há 3 anos está vivendo como um trisal, que no começo foi difícil a aceitação dos pais e irmãos, que amam Verônica, sua esposa há mais de 10 anos e, a princípio, tomaram a situação como se fosse uma afronta a ela.

Contou que a revelação se deu recentemente, pois já estavam estranhando a frequência da tal Manuela dentro da casa do casal, que é vizinha da dos pais dele, já idosos.

A irmã mais velha ficou tão irada que pediu para Vinícius fechar um acesso que existe no quintal, que liga uma casa na outra. "Pouca vergonha! Imaginem só se os pais veem alguma cena mais quente ou escutem os gemidos dos 3 juntos." —embora já estejam bem surdinhos pelo avançar da idade.

- "E o que irão falar os vizinhos? A dona Margarida do 408, que é uma espécie de síndica da rua, ou a beata do 405, que mora na frente e vive enquadrada no janelão do quarto: certeza que verá algo entre as cortinas."

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Vinícius contou para Judite que os irmãos fizeram uma reunião de emergência, para discutir o assunto, preocupados com a integridade moral e patrimonial da família Lopes Nascimento. Só não levaram em conta que ele é advogado e, sabendo da legislação de cor, já tinha encontrado uma solução para dividir os bens com as duas mulheres, daquilo que lhe cabia na fatia da herança familiar.

Mesmo assim, o assunto se estendeu com muitas indagações:

- "E as crianças?"

- "Como vai apresentar as duas? 'Essa é minha mulher, e essa é a minha outra mulher'; ou 'A minha esposa e minha mulher'"?

A irmã mais velha já foi fazendo uma distinção hierárquica, "afinal, a Verônica é a primeira, não se pode negar!".

- "Quem sabe a gente a apresenta como a amiga da tia Verônica e do tio Vinícius?"

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- "E quando as crianças menores crescerem e perceberem que 'Ela' (tinham dificuldade de verbalizar o nome da Manuela na conversa) é alguém mais especial? Os adolescentes certamente não poderiam ser enganado, mas essa juventude tá perdida mesmo", frisou o irmão número 2.

- "Mas vocês dormem todos na mesma cama?", perguntou a irmã número 3 —a que sempre vai ao ponto nas conversas familiares dizendo o que todos querem, mas não têm coragem.

- "Faz sexo cada dia com uma? Bom, pelo menos devem dividir melhor as tarefas em casa, pois Vinícius sempre foi meio despreocupado" — a "inveja" foi sendo descortinada aos poucos.

Judite ouviu atenta, meio boquiaberta, meio sonada, mas preocupada em ser assertiva, acolhedora e politicamente correta. "Que legal"; "Nossa"; "Puta merda"; "Sua irmã sempre foi assim meio carola —e seus pais?"

Vinícius perguntou se podiam ir os três na festa de aniversário dela, já que boa parte da família ainda não sabia, pelo menos de maneira oficial e certamente haverá comoção. "Óbvio querido, ansiosa por conhecer a Manu!"

Judite desligou o telefone, acordou o marido para contar a novidade e os dois passaram pelo menos duas horas conversando na cama, imaginando a cena do restaurante: quem ia se sentar no meio? Pagar a conta? E se a Manuela for extrovertida e linda?

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- "Pare com isso, você que não ouse", disse Judite

- "Mas olha que não é má ideia", o marido continuou, e a temperatura começou a subir.

- "O Vinícius, quem diria —tão pacato e bonachão— tenho certeza de que foi a Verônica quem trouxe a Manuela para a relação."

- "Será que ela é bi? E você é bi?", perguntou o marido para Judite, que já cortou o papo com um sonoro "Não!". Fizeram sexo naquele dia, entre risadas e devaneios.

Infelizmente Vinícius, Verônica e Manuela não compareceram ao evento, frustrando Judite e o marido de terem sua curiosidade parcialmente sanada. E o trisal continua idealizado, para o mal e para o bem, nas relações românticas da tradicional família Lopes Nascimento. Quem diria.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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